sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Segundas intenções

O baixinho-grande sorrateiramente adentrou o meu cantinho de trabalho e, enquanto eu conversava com um cliente pelo telefone, deixou o seguinte recadinho para mim:

"Mamãe querida meu coração por ti bate como um caroço de abacate"
Estranhei a manifestação gratuita de amor e perguntei o que ele estava querendo. Ofendido, o rapazinho colocou as mãos na cintura e decretou:

- Está de castigo. 37 minutos no cantinho do pensamento por fazer tão mau juízo de mim.
- Sério que foi um recadinho gratuito e despretensioso?
- Claro, mamãezinha linda, minha rainha. Mas, aproveitando que eu já estou aqui, posso ir para a casa do Victor?

Rá! Quem não te conhece que te compre.


sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Melodrama

Hoje eu caprichei no melodrama:

- Quando ficar velhinha, quero ter três guarda-costas me escoltando.

O balde de água fria veio do baixinho-grande, que já não deixa escapar mais nada:

- Você quer ter filhos ou seguranças?

Vai, boba.

Ligando o nome à pessoa

No psicólogo, Davi ganhou um João Bobo para extravasar a raiva. Feliz com o presente, ele deu um sorrisinho de lado e sussurrou:

- Ainda por cima tem o mesmo nome...

Deus protege.

Plano infalível

- Mãe, tive duas brilhantes ideias.
- Quais, Pedro?
- Pensei em combinar com todo mundo de ir no último dia de aula de chinelo. A escola não ia poder suspender ninguém, porque todo mundo já estaria de férias - deu uma risadinha sarcástica.
- Nossa, que gênio. E a segunda ideia brilhante? - perguntei, irônica.
- A segunda foi desistir da primeira, porque tenho certeza que você não ia nem me deixar passar pela porta de casa desse jeito.

Nada como conhecer a mãe que se tem, não é mesmo?

Pelos olhos do menino

Os pequenos, desde pequenos, são alucinados por velhinhos. São do tipo que dão abraços gratuitos e se oferecem para carregar sacolas nas ruas. Acho que rola uma certa identificação entre eles, o que me dá muitíssimo gosto.

Outro dia, no carro, enquanto eu estava perdida em pensamentos escaldantes de gente grande, João apontou para um casal de velhinhos que esperava a sua vez de atravessar a rua:

- Olha, mãe, que bonitinho aqueles dois velhinhos de mão dadinha...

Sorri e concordei, eram muito bonitinhos mesmo. Perguntei o que mais ele tinha achado bonitinho na cena, além das "mãos dadinhas".

- O casaquinho e o cabelinho de algodão dela. E o tênis dele, está parecendo um rapazinho.

Ele é tão humano que chega a ser divino.


terça-feira, 19 de novembro de 2019

Faminto

Enquanto eu levava um irmão ao hospital para descobrir do que se tratavam as tais dores misteriosas, o irmão-igual foi ficando na casa da professora particular e acabou almoçando por lá.

Faminto como sempre, voltou para a casa satisfeito:

- Mãe, comi a melhor comida da minha vida.
- Que bom, filho. O que tinha de especial?

Como se estivesse diante do maior banquete de todos os tempos, começou a enumerar:

- Folhas. Amendoim. Frutas. Batata doce. E um feijão desconhecido. Como é que chama mesmo?
- Não sei, eu não estava lá.
- Len..., lena... ah, lentilha.


Pressão? A gente vê por aqui

AN.SI.E.DA.DE.

Eis que esse substantivo que me assombra desde a infância me revisita agora em forma de dor no peito, dor de cabeça e sensação súbita de mal-estar. Só que no Davi. Isso mesmo, o menino de 9 anos. O mesmo que, há poucas semanas, fez o pedido de socorro mais lúcido que alguém poderia fazer.

Ok, psicólogo. Entre encontrar um bom nome, marretar um espaço nas agendas e calcular as poucas brechas no orçamento apertado, fico observando as ações e reações da panelinha de pressão em forma de criança. Ora maduro, consciente das próprias limitações, ora criança contrariada por um "não" qualquer.

Isso junto com o trabalho atrasado, a reunião importante adiada para cuidar do filhote choroso, o gás que acaba bem na hora do almoço, o irmão-igual na aula de reforço por causa da quase recuperação de fim de ano, um adolescente querendo me convencer a ir à festinha da madrugada, a água vazando em algum cano desconhecido da casa...

É como dizem: vida perfeita, só a da bailarina.
Eu queria ser bailarina. 😕


sábado, 16 de novembro de 2019

Malandro

- Pedro, já estudou para as provas dessa semana?
- Hã?
- Hã, nada, você entendeu muito bem.
- Pergunta de novo para eu ter tempo de pensar na resposta.



terça-feira, 12 de novembro de 2019

Segunda chance

- João, por favor, pegue um pano na cozinha para mim?
- Tou...
- Hã?
- Outra chance, vamos lá: Tou...
- Ah, Toucinho...
- Agora sim.


Autoanálise

No fim da noite, já na hora de dormir, Davi resolveu jogar limpo com a própria consciência:

- Mãe, sabe por que a gente te desobedece tanto?
- Por que, Vivi?
- Porque a gente quer se mostrar para você, só isso.

Quem precisa de psicólogo quando se é capaz de fazer uma autoanálise dessas?

terça-feira, 5 de novembro de 2019

Engraçadinho

O baixinho-grande entrou na fase de não perder a piada. Propus:

- Vamos todos almoçar como a família feliz que somos?
- Só falta a felicidade.

E caiu na gargalhada, feliz da vida.


Codinome

Ainda em crise com o nome, o pequeno me veio com mais essa:

- Mãe, me chama de um apelido carinhoso?
- Tipo qual, João?
- Pode ser toucinho.
- Toucinho?
- Sim. E quando você estiver brava, pode me chamar de touço mesmo.


Vai entender...

"Queria ter um nome mais básico", queixou-se o menino chamado João.

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

O poder da educação

Já faz dois anos que o baixinho-grande volta da escola à pé, na companhia dos amigos bolsistas que moram na comunidade. A caminhada é curta, em torno de 20 minutos. Mas a mochila pesada, o sol na moleira, a barriga roncando e a ladeira acima os fazem comemorar as caronas como ponto extra em matemática. 

Outro dia, precisei buscar o rapaz de carro porque tínhamos um compromisso. Quase chegando em casa, vimos um dos coleguinhas subindo o morro. Não pensei em oferecer carona porque o colega estava realmente perto de casa, mas mudei de ideia depois de quase ser jogada pela janela:

- Mãe do céu, você não vai parar? 
- Não vai fazer diferença, filho, ele já está quase chegando.
- Você diz isso porque não é você que sobe esse morro todos os dias. 

Dramas à parte, achei bonitinho o cuidado dele com o amigo, que, como previsto, mal entrou no carro e já desceu novamente. Enquanto o víamos entrar no aglomerado, puxei um papo-cabeça com o rapaz: 

- Você já parou para pensar que ele provavelmente vai ter uma vida completamente diferente do vizinho de porta pelo simples fato de ter tido acesso a uma educação de qualidade? 

Ele não só já tinha pensado nisso como tinha uma certeza: 

- Mãe, o Erick vai mudar a vida da família dele. 

Ainda bem que não era preciso dizer mais nada. O nó na garganta não deixaria.


terça-feira, 29 de outubro de 2019

Deus ajuda...

- Mãe, tinha uma moça maravilhosa na festinha do Arthur.
- Quem, Davi?
- Uma loira alta, de blusa preta. 
- Loira alta? 
- Uma linda, que estava na roda de samba. 
- Ah, a esposa do primo do Zé. 
- Esposa? Que pena...


segunda-feira, 28 de outubro de 2019

De enlouquecer

Temos um vizinho que todos os dias abre a janela e grita os mais variados absurdos de frente ao nosso quintal. Ora ele narra jogo como os locutores da Itatiaia, ora fantasia um bate-boca com pessoas imaginárias. Quando os meninos, assustados, perguntam o que acontece com ele, dou a resposta mais cômoda: é doido.

Hoje, os gritos vieram acompanhados de um choro sofrido:

"É mentira!"
"Isso devia ser proibido!"
"Perder um filho com 15 anos de idade?"
"Volta!"
"Falaram que ia passar, mas não passa."

É ou não é para ficar doido?

A vista da nossa janela é essa. A dele, é a dor :(

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Autoconhecimento

Há algum tempo, voltei para a terapia. Tem sido maravilhoso. Davi, interessado no meu movimento de autoconhecimento, perguntou por que me fazia tão bem. Expliquei que me ajudava a organizar os pensamentos e entender coisas que eu nunca entendi. Não demorou, ele pediu:

- Mãe, me coloca no psicólogo também? Também quero entender umas coisas na minha cabeça.

Essa geração vai dar de 10 a 0 na nossa, não?


sábado, 19 de outubro de 2019

Dívida

Numa das raras situações da vida, o pai e eu nos encontramos numa festinha de aniversário. Eu de um lado, ele de outro. Os meninos, entre os dois. Desconsertado, Pedro veio dizer:

- Estou endividado, mãe.
- Endividado?
- Sim, não sei com quem eu fico.
- Dividido, você quer dizer, né?
- Isso - sorriu, sem graça.
- Filho, pode fazer companhia para o seu pai. Está tudo bem comigo.

Fiz um cafuné e o vi seguir, aliviado.
Como fazê-lo entender que essa dívida não é dele?


sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Treta

Rafael é mais alto e mais forte que João.
João é mais alto e mais forte que Samuel.
Rafael bateu em Samuel.
João defendeu Samuel.
Rafael peitou João.
Pedro, que é mais alto e mais forte que Rafael, João e Samuel, botou Rafael para correr.

Katharina morreu de orgulho.


quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Vai encarar?

Pedro foi usar o banheiro e se deparou com a obra de um irmão boiando no vaso. Bravo, não quis nem saber o nome do santo. Foi direto no quarto dos irmãos-iguais e disparou: 

- Aprendam a dar descarga porque não sou obrigado a olhar pro vaso e encontrar vocês lá dentro. 


Cada um usa a arma que tem

Estava trabalhando e um menino me interrompeu, bravo, para dizer que o irmão estava jogando meleca nele.
Já teriam sido 7 melecas.

Aceito sugestões para a resolver o impasse.


Adolesceu

Prazer, ex-criança.


segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Bem dotado

Fui ajudar o Davi com o banho e percebi que ele estava tapando o documento com as mãos.

- Não quero que você veja, mãe. Pode se assustar com o tamanho.
- Ah, tá.
- É grande mesmo.
- Sei.
- Eu medi com a régua: 13 centímetros. Mole.




sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Empurrãozinho

Fiz essa inocente postagem no grupo da família, do qual o pequeno-grande já faz parte:



















Imediatamente, ele gritou lá da sala:

- Mãe, você é boa nisso, hein?
- Nisso o quê?
- Nisso de envergonhar as pessoas.

Hehehehehehe

quarta-feira, 2 de outubro de 2019