quinta-feira, 30 de abril de 2015

Oração

Já tem um tempo que eu tenho deixado os meninos rezarem sozinhos antes de dormir. Eles ainda têm o lindo hábito de fazer isso em voz alta e eu fico atrás da porta, quietinha, morrendo de amor ao ver aqueles toquinhos conversando, à maneira deles,  com o papai do céu. Às vezes surgem alguns contratempos:


- Depois do cheia de graça é o quê mesmo? - pergunta um pequeno.
- Bendita é sua voz entre as mulheres - responde o grande.

E o coro continua até chegar à minha parte preferida:

- Vogai por nós, pecadores.

E bendita sou eu entre esses homens.


terça-feira, 28 de abril de 2015

Utilidade pública

Os baixinhos-pequenos fizeram uma excursão com os coleguinhas da escola ao corpo de bombeiros.
Davi ficou numa alegria danada porque apertou a buzina do caminhão. E chegou contando todas as novidades:

- Mãe, sabia que o telefone do bombeiro é 1-9-3?
- Legal, Davi. E quando a gente deve ligar para o bombeiro?
- Para falar assim, ó: "oi, seu bombeiro, vem aqui que tá tendo um incêndio".

João completa:

- Ou pra falar que tem um gatinho preso na árvore.


segunda-feira, 27 de abril de 2015

Nome completo

Cansada de ouvir o meu santo nome em vão, resolvi dar um gelo no Vivi:

- Mãe?


Silêncio.

- Mãe???

Nada.

- Manheeee!

Nem te ligo.
Até ele apelar:

- Mãe Lacerda de Carvalho, não tá me ouvindo te chamar, não?


quinta-feira, 23 de abril de 2015

Para refletir

E se seu filho pudesse indicar o tipo de criação que gostaria de ter?
Recebi essa carta de uma amiga. Me fez refletir pacas.

"Não tenha medo de ser firme comigo. Prefiro assim. Isto faz com que eu me sinta mais seguro.
Não deixe que eu adquira maus hábitos. Dependo de você para saber o que é certo ou errado.
Não me corrija na presença de estranhos. Aprenderei muito mais se me falar com calma e em particular.
Não me proteja das consequências de meus erros. Às vezes, eu preciso aprender pelo caminho áspero.
Não leve muito a sério as minhas pequenas dores. Necessito delas para poder amadurecer.
Não me estrague. Sei que não devo ter tudo o que peço. Só estou experimentando você.
Não seja irritante ao me corrigir. Se assim o fizer, eu poderei fazer o contrário do que me pede.
Não faça promessas que não poderá cumprir depois. Lembre-se de que isto me deixa profundamente desapontado.
Não ponha à prova a minha honestidade. Sou facilmente levado a dizer mentiras.
Não me apresente um Deus carrancudo e vingativo. Isso me afastaria Dele.
Não desconverse quando eu faço perguntas, senão serei levado a procurar respostas em outro lugar.
Não se mostre para mim como pessoa infalível. Ficarei extremamente chocado quando descobrir um erro em você.
Não diga simplesmente que meus receios e medos são bobos. Ajude-me a compreendê-los e vencê-los.
Não diga que não consegue me controlar. Eu me julgarei mais forte do que você.
Não me trate como uma pessoa sem personalidade. Lembre-se de que eu tenho o meu próprio modo de ser.
Não viva me apontando os defeitos das pessoas que me cercam. Isso irá criar em mim o espírito de intolerância.
Não se esqueça de que eu gosto de experimentar as coisas por mim mesmo. Não queria me ensinar tudo.
Não tenha vergonha de dizer que me ama. Eu necessito desse carinho e amor para poder transmiti-los a você e aos outros.
Não desista nunca de me ensinar o bem, mesmo quando eu parecer não estar aprendendo.
Insista através do exemplo e, no futuro, você verá em mim o fruto do que plantou."
Autoria desconhecida

Que nós, nessa caminhada, possamos mais acertar do que errar.
Amém.


Geração espontânea

O baixinho-grande acordou inspirado e arrumou toda a cozinha do café. Deu uma voltinha pela casa e, quando voltou, reclamou dos copos que já se acumulavam na pia novamente.

- Como pode ter tanta coisa suja aqui se eu acabei de lavar tudinho?

Quando descobrir, filho, me conte, por favor.


terça-feira, 21 de abril de 2015

Feriado

Davi dá um pulo da cama e pergunta:

- Que dia é hoje, mãe?
- Terça-feira.
- Ixi, é dia de para casa.
- Hoje não tem aula, Vivi.
- Ah, é. Ufa que é feriado, né?

Ufa, filho.


segunda-feira, 20 de abril de 2015

Clássico

- Pedro, na cachoeira com o papai, a gente viu uma cobra de dez metros.
- Não viu nada, João.
- Viu sim.
- Não tem jeito.
- Como você sabe? Você nem estava lá.
- Não se vê cobra de dez metros por aí, João.
- E daí? Você não sabe nada da minha vida.


sexta-feira, 17 de abril de 2015

Não é não



Por um mundo com menos machos e mais homens.


Monitoria

Cansado de ser acusado de sujar o banheiro, o baixinho-grande propôs uma nova metodologia:

- Mãe, você pode fazer o seguinte. Toda vez que um de nós for ao banheiro, você observa. Quem deixar o vaso muito respingado tira nota baixa. Quem não sujar muito tira nota alta. Quem tirar nota alta ajuda a ensinar os que ficaram de recuperação.

1, 2, 3, valendo!

Raciocínio lógico

Pedro viu o noticiário da travesti desfigurada por policiais dentro da cadeia. Indignado, questionou:

- Mãe, a polícia existe para proteger a gente, não é?
- Sim, filho.
- E quando ela faz as mesmas coisas que o bandido? Vira bandido também?

Antes que eu respondesse, ele mesmo concluiu:

- Quem vai proteger a gente da polícia?

Sem mais.


quarta-feira, 15 de abril de 2015

Desabrochando

Minha mãe é uma jovem de 54 anos. Casou-se aos 18, prestes a ganhar o seu primeiro filho. Enquanto meu pai provia a família lá fora, ela, numa valentia adolescente, matava os leões da maternidade todos os dias.

A flor que desabrocha na adversidade
é a mais rara e bela de todas
Quatro dias depois de ela completar 21 anos, eu nasci. Exatamente 11 meses e 17 dias após o nascimento do meu segundo irmão. Ela, tão jovem, já era mãe de três.

Seis anos depois, mais uma filha. Na tentativa de se reencontrar como mulher, conseguiu, a duras penas, formar-se na faculdade de Comunicação Visual. Pronta para finalmente entrar no mercado de trabalho, engravidou da quinta filha. Não tinha nem 30 anos.

Dedicada, continuou sua jornada de mãe em tempo integral. Abriu mão dos seus sonhos para que os filhos realizassem os deles. Viu cada um tomar o seu rumo e voar. O casamento terminou, o ninho se esvaziou e ela, pela primeira vez em quase cinco décadas, viu-se sozinha. O tamanho da casa era proporcional ao vazio que transbordava do peito.

Tentou se encontrar em um novo curso superior. Educação Artística. Sempre fora talentosa e sabia disso. Começou no seu ritmo, sem pressa. Enfrentou seus medos, superou seus bloqueios. Agora está prestes a se formar. Voltou a sonhar. Quer começar a trabalhar e viver do seu próprio dinheirinho.

Recentemente, conseguiu o seu primeiro estágio remunerado, contrariando as próprias previsões. Foi selecionada entre vários jovens. Apresentou seu currículo modesto, preparou-se para a entrevista e saiu de lá com a vaga.

Hoje, tenho a honra de vê-la recomeçar de onde parou, mais de trinta anos depois. Poucos filhos têm a chance de aplaudir as vitórias dos pais, numa desafiadora contravenção à ordem natural das coisas.
Sou uma dessas privilegiadas.

Vai, minha mãe.
Cá estou, na primeira fila, pronta para te ver brilhar.
E já te aplaudo de pé.


Mãe é tudo igual
















Tamo junto, miga.


segunda-feira, 13 de abril de 2015

Disputa


O irmão tenta:

- Pedro, posso jogar no seu vídeo game?

Ele, magnânimo, concorda:

- Pode.

Mas impõe suas condições:

- Daqui a sete anos. ANOS, entendeu?



Tropeçando



- João, como você conseguiu esfolar o joelho desse jeito?
- É que eu tava correndo muito rápido e atropecei.


sexta-feira, 10 de abril de 2015

Preferências



Tia Gabi: Davi, você acha o meu cabelo bonito?
Davi: Aham, mas acho o da tia Binha mais.
Tia Gabi: Por que?
Davi: Porque o dela é amarelo.


Definição


- Estou com fome.
- Não está, não, João. Você acabou de jantar.
- Estou com fome sim.
- O que é fome para você?
-  Fome é quando eu tenho bolinhas na minha boca e não consigo segurar.



quinta-feira, 9 de abril de 2015

Apelo

Daí que meu Vivi aprendeu a falar o 'r' e acabou com o último resquício de bebê na casa. E eu ando meio nostálgica, querendo pedir para o tempo parar.

Pala, tempo...
Por favor.

terça-feira, 7 de abril de 2015

Recordar é viver

Bom dia para você, que acordou cantando:

o meu chapéu tem três pontas.
tem três pontas o meu chapéu.
se não tivesse três pontas,
não seria o meu chapéu.

Um viva para o Vivi, que além de desenterrar essa musiquinha do fundo do baú, me ensinou a dancinha que eu sempre quis aprender.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Cena clássica

E quando você tem que apertar o braço do seu filho de cinco anos até o osso porque ele decidiu que já é grande o suficiente para atravessar a rua sozinho?
E quando você percebe que, por causa desse filho subversivo, apertou demais os braços dos seus outros dois filhos também?
E quando você solta todo mundo do outro lado da rua e descobre que eles estão completamente arranhados, descabelados e amassados?

Parece violência doméstica, mas é só a gente chegando à escola numa clássica segunda-feira.


Sonhador



- Bom dia, Vivi.
- Bom dia, mãe.
- Sonhou com o quê, filhinho?
- Com nada. Acho que o meu sonhador de sonho tava estragado.


quarta-feira, 1 de abril de 2015

Vida que segue

Arrombaram o carro do pai dos meninos ontem à noite e levaram as mochilas dos três. João, ao ver o vidro quebrado, não parava de chorar e repetir que tinham levado tudo o que ele tinha. Com as mãozinhas na cabeça, andava de um lado para o outro e, a cada vez que se lembrava de um objeto, chorava mais e dizia o quanto aquelas coisas eram importantes para ele. Sofreu por si. Sofreu pelos irmãos. Sofreu pelo pai. Sofreu até por mim, preocupado com o investimento que eu teria que fazer para comprar tudo de novo. Dormiu no meu colo, soluçando de tanto chorar.

Foi de cortar o coração ver aquele rapazinho, ainda tão pequeno, sendo vítima da violência urbana. Ainda mais no dia do aniversário. O máximo que pude fazer foi comprar tudo novamente na primeira hora do dia seguinte. Encapei os novos cadernos, fiz margem, colorimos um desenho bem bonito e continuamos de onde paramos.

Um pouco mais tristes, é verdade.
Mas agradecidos pela oportunidade do recomeço.
Afinal, é vida que segue.