sexta-feira, 30 de outubro de 2015

O dia em que o meu mundo parou

Senta aí, que eu vou contar um absurdo.

Os pimpolhos começaram a fazer natação no clube Olympico, um dos mais tradicionais de Belo Horizonte. Nossa ajudante é quem os leva e busca. Na aula passada, ela foi impedida de entrar. Motivo: estava sem jaleco. Ela passou quinze minutos retida na secretaria, todos olhando para ela, e voltou para a casa com uma circular malcriada, dizendo que todos os prestadores de serviço deveriam estar trajados de jaleco branco (regra que acabara de ser informada a ela - e a mim - naquele momento).

Fiquei 'p' da vida e fui tirar satisfação com a administração do clube. Perguntei qual tinha sido o critério que eles utilizaram para afirmar que ela era babá, já que este dado não havia sido informado no momento do cadastro dela no clube. Afirmei que ela podia ser vizinha da família, madrinha, amiga, tia, qualquer coisa, mas que estavam julgando-na pela aparência. A condição dela era de acompanhante, assim como poderia ser a minha irmã, minha mãe ou qualquer pessoa a quem eu tivesse delegado a responsabilidade de acompanhar meus filhos durante os parcos 60 minutos em que eles ficam nas dependências do local.

O clube insistiu que se tratava de uma regra interna. É prestador de serviço remunerado pela família? Tem que usar jaleco. Desafiei-os a provar que ela era minha prestadora de serviço. Nem se arriscaram, é claro. Afinal, não tinham acesso a nenhum documento que comprovasse a relação trabalhista dela comigo. Tentando justificar o injustificável, alegaram que os sócios do clube se sentem incomodados de dividir os espaços com os ajudantes de outros sócios (!). E que se ela não fosse babá das crianças, teria que apresentar documento comprovando o grau de parentesco com os meninos (!!). Sem isso, nada feito. Jaleco nela.


Saí indignada, amargando o dissabor da discriminação que nem aconteceu comigo.
O contrato, obviamente, será rescindido.
Tenho medo de o problema estar na água.

Correr o risco de os meus filhos pegarem algum preconceito? Não, não vale a pena.


Amor de irmão

- Mãe, sabia que eu consigo chorar só de pensar em uma coisa triste?
- Sério, Pedro?
- Sério.
- Isso é sinal de que você tem muita sensibilidade.
- Quer ver?
- Mas, você vai ficar triste depois?
- Não, é só pensar em uma coisa feliz que eu volto ao normal.
- Então, quero ver.

Ele fechou os olhos, concentrou-se e deixou as lágrimas descerem copiosamente.
Preocupada, interrompi o experimento:


- Está tudo bem, filho?
- Sim.
- Você chora mesmo, hein?
- É que eu pensei uma coisa muito ruim. Credo.
- E o que foi?
- Que o João e Davi tinham morrido. Não dá pra viver sem eles.

Todos juntos, em coro:
own...


segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Ciúme de filho

Ontem foi aniversário do Gui, meu namorado. Como esperado, ele não escapou do 'com quem será' depois do parabéns. Como esperado, eu também não escapei de ser a noiva. O que ninguém esperava era que o João fosse impor suas condições para o casamento:

- Vai depender se o João vai querer.


sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Grama do vizinho

- Mãe, a mãe do Arthur é mais boa que você.
- É mesmo, João? E por que?
- Porque ela compra lanche na cantina para ele.
- Sei.
- Ela acabou de perguntar o que ele queria e ele pediu picolé.
- Hã.
- Ela comprou sem brigar com ele. E hoje nem é fim de semana.
- Nossa. Que mãe, hein?

Ele, esperançoso, deu a última cartada:

- Pergunta pra ela como faz pra ser boa mãe assim.


Homem da casa

Nossa casa foi invadida por pernilongos. Os covardes seres das trevas esperam a noite alta para atacar. E preferem o quarto dos meninos, porque lá tem carne macia e de primeira. Na noite passada, Pedro se irritou com os ataques e decidiu dormir no sofá da sala. Quando percebeu que o terreno estava seguro, convidou os irmãos também, que prontamente aceitaram a oferta. Só descobri a movimentação no dia seguinte, quando me deparei com o baixinho-grande dormindo no tapete e os irmãos-iguais dividindo o sofá. Intrigada com a cena, perguntei ao baixinho:

- O que aconteceu, Pedro?
- Simplesmente estava impossível ficar no quarto com aquele monte de pernilongo. Aí eu resolvi vir pra sala e chamei os irmãos também.
- Como você pretendia colocar três crianças deitadas em um sofá de três lugares?
- A gente até tentou, mas estava dando briga. Aí eu acabei indo pro chão e eles se ajeitaram lá em cima.
- E por que você cedeu o sofá para eles?
- Porque eu não ia ter coragem de deixar eles dormindo no chão, ué.
- Mas foi o que você acabou fazendo.
- Sim, mas eu sou grande e aguento.

Que sorte esses irmãos têm.


Gatinho manhoso

Acordei o João com mimos e carinhos:

- Vamos acordar, gatinho manhoso?

Ele se espreguiçou, bocejou, esfregou os olhinhos e respondeu:

- Miau...


quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Autocrítica



- Mãe, coloca esse copo na pia pra mim?
- Claro que não, Davi. Levante daí e coloque você mesmo.
- Não posso. Eu sou folgado.


terça-feira, 20 de outubro de 2015

Delação premiada

A professora do Davi está no final da sua licença-maternidade. Frequentemente eu pergunto se ela já voltou para a escola. Sabendo da minha curiosidade, ele decidiu usar a resposta como moeda de troca:

- O que a gente vai comer agora, mãe?
- Mais nada, Vivi.
- Se você não der nada pra gente, eu não vou te contar que a Emília já voltou hoje.

Obrigada, querido.


Caim e Abel

Pedro e João têm se estranhado, ultimamente. Começa com a provocação de um e termina com os pontapés do outro. Os arranca-rabos têm sido cada vez mais sérios e resultam em castigos severos para os dois. Quase morro com isso, porque acho que não tem nada mais triste do que irmãos brigando. Eu tenho a sorte de ter os melhores do mundo, companheiros de uma vida inteira de alegrias e tristezas. Quero muito que os meus também desfrutem desse privilégio.

Tomara que eles queiram também.


Homens

No estacionamento do shopping, Vivi pediu para parar o carro em uma vaga distante. Respondi que não, que tinham melhores. Ele insistiu. Perguntei por que ele queria tanto aquela vaga. Ele apontou para um aglomerado de mocinhas e se explicou:

- Para parar do lado daquelas moças bonitas.

Homens.
Tsc, tsc...

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Libertação

Pergunto ao João qual é a sua cor preferida. Ele, bem resolvido, responde:

- Rosa.

O irmão-igual debocha. Ele retruca:

- Gosto de rosa sim e isso não tem problema nenhum. Tem nada disso de ser de menino ou menina, cor não tem dono.

Que orgulho.
Sério.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Identidade visual

Os meninos voltaram de uma temporada de quatro dias com o pai. Ao se deparar com a casa arrumadinha, Vivi criticou:

- Casa sem bagunça de criança fica muito feia.

Acho que vai chegar o dia em que eu ainda vou concordar com ele.


quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Super sincero

Resolvi investir na minha veia artística, que, até agora, é da espessura de uma linha de costura, e decidi fazer a decoração de natal da nossa casa. Com a ajuda da internet, mãe de todas as mães, selecionei uns modelitos lindos para a nossa árvore. Comecei por essas simpáticas bolinhas:












Feltro, linha e agulha. Não pode ser tão difícil assim, né?
Pois lamento informar que é.
Depois de muitos dedos furados, nós cegos e três noites de trabalho, consegui fazer a minha primeira remessa.
Desconfiada, perguntei ao baixinho-grande:

- Quanto você pagaria por elas, filho?

Ele, sem cerimônia, respondeu:

- Três por cinco reais.

Ok, entendi o recado.
Como artesã, sou ótima jornalista.


quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Sopro de esperança

Procuro incentivar os pimpolhos a exercerem o desapego, porque somos privilegiados e temos muito. Em casa, estamos prontos para doar qualquer coisa que nos pertença, desde que seja mais útil para o próximo do que para nós.

Para a minha alegria, eles vêm aprendendo. Tive uma demonstração disso na saída do estádio, numa noite de sexta-feira. O baixinho-grande estava com uma caixinha de suco que sobrou da comilança da arquibancada. No caminho para o carro, ele se deparou com um morador de rua, já preparado para dormir. Com a doçura que lhe é característica, estendeu as mãozinhas e ofereceu:

- Você quer esse suquinho, moço?

Admirado com a conduta do pequeno, o morador de rua se levantou do seu colchão, ajoelhou-se na frente dele e o abraçou. Não parava de repetir o quanto ele era especial:

- Você é um anjo que veio alegrar a minha noite. Vou ter um dia bem melhor amanhã.

Emocionados com a reação daquele homem, fomos embora refletindo sobre a miserabilidade do ser humano. Não me refiro a ele, é claro. Mas a todos os que insistimos em tratar de maneira diferente os iguais. Aquele homem, tantas vezes invisível, foi notado por uma criança de coração puro. Apesar da aridez da vida que leva, do peito dele transborda amor.

Sim, ninguém é tão pobre que não tenha nada a dar, nem tão rico que não tenha nada a receber. Naquele dia, nós recebemos. Eu mais ainda, por ver brotar das mãos do meu pequeno atitudes que confirmam que esse mundo ainda tem jeito.


terça-feira, 6 de outubro de 2015

Novo bicho papão

Li uma reportagem que afirma que o criminoso é o novo bicho papão das crianças. Segundo a enquete feita pelo jornal, o medo de sofrer algum tipo de violência assombra 65% dos pequenos entrevistados.
Infelizmente, os meus se incluem nessa triste estatística.

João é o mais impressionável. Na rua, observa as cercas elétricas das casas, as grades nas janelas, as pichações nos muros altos. Compara um carro com o outro, vê qual é mais seguro, analisa a vulnerabilidade dos pedestres. E ainda hoje se pergunta o motivo pelo qual o ladrão quis tanto o seu material escolar, no episódio de furto da sua mochila. Para que ele não perca a esperança na humanidade, respondo:

- Para estudar e se tornar uma pessoa melhor, meu filho.

Que assim seja.


Prioridades

Pedro recebeu mais uma circular convidando para um jogo fora da escola. Me entregou o bilhete com todo cuidado do mundo. Li e deixei sobre o banco da frente do carro. Ao sair, fui repreendida:

- Mãe, você vai deixar o bilhete ali?
- Vou, por que?
- E se roubarem o carro?

Fique tranquilo, filho.
A gente dá queixa do furto do bilhete.


segunda-feira, 5 de outubro de 2015

A amamentação e seus fantasmas

A jornalista Fernanda Gentil postou um desabafo sobre a idealização da amamentação, tema que até hoje me dá arrepios. Posso fechar os olhos e sentir de novo a angústia de esperar pelo leite que não desce. Meu peito ainda lateja ao lembrar a dor do leite empedrado. E a sensação de incompetência a cada complemento de mamada? E o desespero que dá quando as casquinhas recém-formadas das fissuras dos mamilos são cruelmente arrancadas por boquinhas famintas e sem dentes? O que dizer dos palpites, que vêm aos montes, de todos os lados?

Enquanto estava nesse suplício, só conseguia pensar: onde estavam os sinos badalando e os anjos abençoando aquele momento tão mágico? Onde estava o prazer quase orgásmico que as mulheres diziam sentir? Por que eu não conseguia achar bom o fato de ser a única fonte de alimento dos meus filhos? Não sei. Simplesmente não foi para mim. Acho que não é para um monte de gente.

Leite materno é importante? Sim. Tão importante que merece toda a dedicação da mãe, mesmo quando ela achar que não tem mais forças. Mas, quando as forças realmente acabarem, essa mãe precisa de compreensão. Muito mais do que a criança precisa do leite materno. A maternidade já é uma tarefa difícil demais para ser agravada pela crueldade dos julgamentos dos outros. Nessa hora, é a mãe que precisa de colo.
Foi o que me faltou.

Hoje, passados tantos anos, vejo que sobrevivemos bem à tempestade.
Os meninos são fortes e saudáveis. O mesmo posso dizer de mim.
Pena que custe tão caro.


Fernanda Gentil, dê cá um abraço.


Riso preso

- Mãe, eu nasci pelado?
- Claro, João. Todo mundo nasce pelado.
- Era médico ou médica?
- Médico.
- Ufa.
- Por que?
- Se fosse médica, ela ia sorrir de mim.
- Claro que não, filho. Que graça tem um neném pelado?
- É porque médica menina não tem as mesmas coisas que a gente.
- E o que é que tem isso?
- Elas devem achar engraçado porque balança.

Em respeito ao João, segure o riso, por favor.