terça-feira, 19 de novembro de 2019

Faminto

Enquanto eu levava um irmão ao hospital para descobrir do que se tratavam as tais dores misteriosas, o irmão-igual foi ficando na casa da professora particular e acabou almoçando por lá.

Faminto como sempre, voltou para a casa satisfeito:

- Mãe, comi a melhor comida da minha vida.
- Que bom, filho. O que tinha de especial?

Como se estivesse diante do maior banquete de todos os tempos, começou a enumerar:

- Folhas. Amendoim. Frutas. Batata doce. E um feijão desconhecido. Como é que chama mesmo?
- Não sei, eu não estava lá.
- Len..., lena... ah, lentilha.


Pressão? A gente vê por aqui

AN.SI.E.DA.DE.

Eis que esse substantivo que me assombra desde a infância me revisita agora em forma de dor no peito, dor de cabeça e sensação súbita de mal-estar. Só que no Davi. Isso mesmo, o menino de 9 anos. O mesmo que, há poucas semanas, fez o pedido de socorro mais lúcido que alguém poderia fazer.

Ok, psicólogo. Entre encontrar um bom nome, marretar um espaço nas agendas e calcular as poucas brechas no orçamento apertado, fico observando as ações e reações da panelinha de pressão em forma de criança. Ora maduro, consciente das próprias limitações, ora criança contrariada por um "não" qualquer.

Isso junto com o trabalho atrasado, a reunião importante adiada para cuidar do filhote choroso, o gás que acaba bem na hora do almoço, o irmão-igual na aula de reforço por causa da quase recuperação de fim de ano, um adolescente querendo me convencer a ir à festinha da madrugada, a água vazando em algum cano desconhecido da casa...

É como dizem: vida perfeita, só a da bailarina.
Eu queria ser bailarina. 😕


sábado, 16 de novembro de 2019

Malandro

- Pedro, já estudou para as provas dessa semana?
- Hã?
- Hã, nada, você entendeu muito bem.
- Pergunta de novo para eu ter tempo de pensar na resposta.



terça-feira, 12 de novembro de 2019

Segunda chance

- João, por favor, pegue um pano na cozinha para mim?
- Tou...
- Hã?
- Outra chance, vamos lá: Tou...
- Ah, Toucinho...
- Agora sim.


Autoanálise

No fim da noite, já na hora de dormir, Davi resolveu jogar limpo com a própria consciência:

- Mãe, sabe por que a gente te desobedece tanto?
- Por que, Vivi?
- Porque a gente quer se mostrar para você, só isso.

Quem precisa de psicólogo quando se é capaz de fazer uma autoanálise dessas?

terça-feira, 5 de novembro de 2019

Engraçadinho

O baixinho-grande entrou na fase de não perder a piada. Propus:

- Vamos todos almoçar como a família feliz que somos?
- Só falta a felicidade.

E caiu na gargalhada, feliz da vida.


Codinome

Ainda em crise com o nome, o pequeno me veio com mais essa:

- Mãe, me chama de um apelido carinhoso?
- Tipo qual, João?
- Pode ser toucinho.
- Toucinho?
- Sim. E quando você estiver brava, pode me chamar de touço mesmo.


Vai entender...

"Queria ter um nome mais básico", queixou-se o menino chamado João.

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

O poder da educação

Já faz dois anos que o baixinho-grande volta da escola à pé, na companhia dos amigos bolsistas que moram na comunidade. A caminhada é curta, em torno de 20 minutos. Mas a mochila pesada, o sol na moleira, a barriga roncando e a ladeira acima os fazem comemorar as caronas como ponto extra em matemática. 

Outro dia, precisei buscar o rapaz de carro porque tínhamos um compromisso. Quase chegando em casa, vimos um dos coleguinhas subindo o morro. Não pensei em oferecer carona porque o colega estava realmente perto de casa, mas mudei de ideia depois de quase ser jogada pela janela:

- Mãe do céu, você não vai parar? 
- Não vai fazer diferença, filho, ele já está quase chegando.
- Você diz isso porque não é você que sobe esse morro todos os dias. 

Dramas à parte, achei bonitinho o cuidado dele com o amigo, que, como previsto, mal entrou no carro e já desceu novamente. Enquanto o víamos entrar no aglomerado, puxei um papo-cabeça com o rapaz: 

- Você já parou para pensar que ele provavelmente vai ter uma vida completamente diferente do vizinho de porta pelo simples fato de ter tido acesso a uma educação de qualidade? 

Ele não só já tinha pensado nisso como tinha uma certeza: 

- Mãe, o Erick vai mudar a vida da família dele. 

Ainda bem que não era preciso dizer mais nada. O nó na garganta não deixaria.