segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Melodrama

Pedro tem um joguinho de vídeo game que lhe permite criar coisas e pessoas. Sabe o que ele decidiu criar? Um bebê. O herdeiro exige cuidados diários, mas o baixinho só tem permissão para jogar vídeo game aos finais de semana. Ele, sem vergonha, tentou se aproveitar do meu corporativismo materno e subverter a ordem:

- Mãe, você vai me deixar cuidar dele durante a semana?
- Claro que não.
- Como eu vou fazer?
- Não sei.
- Cuida pra mim?
- De jeito nenhum. Já tenho três filhos na vida real.

Ele, praticamente um mexicano, apelou para o drama:

- Você vai ter coragem de fazer isso com o seu neto?

Investimento

Pedro descobriu que a filha da nossa ajudante vai vender o xbox dela e se encheu de esperança:

- Quanto será que ela vai cobrar, mãe?
- Não sei, filhinho.
- Se for 39 reais, eu posso comprar.
- Certamente vai ser bem mais caro que isso.
- Quanto mais caro?
- Pelo menos umas vinte vezes esse valor.

João tentou ajudar:

- O Zé  da vovó deu 13 reais pra mim e 13 reais pro Davi. A gente pode juntar todo o nosso dinheiro e comprar, Pedro.

Imediatamente, Davi cortou o barato dos irmãos:

- Com o meu dinheiro, não. Vou comprar uma coisa muito legal só pra mim.

Pedro, desafiado, perguntou o que podia ser mais legal que um xbox.
Sem titubear, o irmão respondeu:

- Chicletes com tatuagem, ué.






quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Decrescendo

Pedro, refletindo sobre o amargor da vida adulta, me fez essa desconcertante pergunta:

- Mãe, quando foi que você desaprendeu a brincar?

Não sei bem quando foi, querido.
Mas sempre há tempo para reaprender.
Você me ensina?


sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Mãe que é mãe se vira nos 30

Vai ter teatrinho na escola e o Davi será o cachorro. Como eu não consegui encontrar uma fantasia pronta, reuni minhas habilidades e fiz uma máscara de feltro.


















Quem, como o João, disser que está parecendo uma vaca vai ganhar um cocão.


Espírito de natal

O baixinho-grande, cheio de segundas intenções, começou a conversa:

- Você gosta de natal, mãe?
- Adoro, filho. É a minha festa preferida.
- Por que?
- Porque lembra a minha infância. E eu tive uma infância muito feliz. Nem tanto pelos presentes, porque o vovô não tinha dinheiro para ficar comprando presente para a gente...

Percebi o vacilo e encerrei a frase, torcendo para que ele não percebesse a deixa que tinha acabado de dar. Mas ele, perspicaz, matou a charada:

- Eu sabia.
- Sabia o que, filho?
- Que o papai noel não existe.

Confirmei a sua descoberta com um sorriso contido. Há tempos carregava a consciência pesada por não ter contado a verdade quando ele perguntou. Vitorioso, ele deu asas às suas elucubrações:

- Sempre achei estranho um velhinho que não morre nunca, voa num trenó com várias renas - bicho que eu nunca vi -, coloca todos os presentes do mundo num saco vermelho e visita as casas de todas as crianças na mesma noite.
- Não é muito lógico mesmo. Mas o papai noel existe na fantasia das pessoas, principalmente das crianças. E não podemos tirar isso delas.

Ele balançou a cabeça afirmativamente e refletiu por alguns instantes. Depois de provar o gosto insosso da realidade, admitiu:

- Sabe, mãe? Eu ainda acredito um pouco. Nesse ano, vou ficar acordado para ver por onde ele entra. Não pode ser pela janela, porque tem grade. Deve ser pela porta mesmo. Aí ele vai dar de cara comigo quando entrar, você vai ver.

Isso mesmo, querido.
Alimente a sua fantasia, ela deixa a vida mais doce.


quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Definição

Davi se engasgou com um pedaço de comida e tossiu como se o mundo fosse acabar. Impressionado com a crise, ele balbuciou, preocupado:

- Mãe, minha garganta está infalável!


terça-feira, 17 de novembro de 2015

Prioridades



João atropeçou no futebol e esfolou o focinho.
Abriu o maior berreiro.
Não antes de se levantar e fazer o gol.
Porque uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.


Confissão



Pareço boa mãe, mas deixo o Vivi apontar para um jipe na rua e chamá-lo de libusine só porque acho bonitinho.

Espero que ele me perdoe um dia.


segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Contra o feiticeiro

Tenho andado bem cansada do fusuê da tropinha. Principalmente à noite, quando eles deviam estar calmos e prontos para o sono, mas são tomados por um fogo que começa do nada, rapidamente se alastra e termina em choro ou machucado. Numa noite dessas, adverti que a fusarca ia terminar mal:

- Alguém ainda vai se machucar e eu não vou querer nem saber, porque estou pedindo para parar e ninguém me obedece.

Bingo. Não demorou muito para que o primeiro desse uma topada na parede e, chorando, viesse pedir colo. Impiedosa, cumpri minha promessa:

- Não adianta nem vir me contar, pode ir direto pra cama.

Resignado, o baixinho ferido se deitou e dormiu, soluçando de tanto chorar. Acordou com o dedo da mão roxo e inchado, só para me matar de culpa. Ele, vingativo, ainda tripudiou:

- Você não quis ver, agora meu dedo nem dobra mais.

Se praga de mãe tem poder, condenação de filho tem mais ainda. E, vá por mim, dói muito mais.


terça-feira, 10 de novembro de 2015

Impaciência



- Mãe, a gente quer maçã.
- Daqui a pouco, Davi.
- Daqui a pouco?
- Sim.
- Mas a gente já está esperando há mais de um minuto!


segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Conselho de irmão

Diálogo no carro:

- Pedro, você vai morrer primeiro que a gente. 
- Não necessariamente, João. 
- Vai sim, você é o mais velho. 
- A morte nem sempre tem a ver com a idade. 
- Não?
- Claro que não. Se fosse assim, nenhuma criança morreria. 

E, no alto da sua maturidade de oito anos, aconselhou:

- Por isso é que temos que aproveitar a vida. Nunca sabemos quando a nossa hora vai chegar. 


Aguado



Mais uma do Vivi, o menino faminto:

- Mãe, tô com fome.
- Davi, ninguém sente fome depois do jantar.
- Como você sabe? Você não manda na água da minha boca.


terça-feira, 3 de novembro de 2015

Ponto de vista


João foi o único que concordou de pronto com a rescisão do contrato. Depois de ouvir o discurso sobre o fim da discriminação, ele emendou, em tom de protesto:

- Aquele clube é chato mesmo. Tem muita abelha.

Tudo porque, certo dia, foi picado por uma na saída da piscina.
Cada um com seus motivos, hahaha...

Briga do bem

Reuni a tropinha e expliquei o motivo pelo qual eles não continuarão a fazer natação no Olympico.

Reafirmei que dignidade é um bem precioso, pelo qual todos devem zelar. E que nunca, jamais, em tempo algum, podemos permitir que separem as pessoas por raça, classe econômica, orientação sexual ou qualquer coisa que o valha. Pedro teve dificuldade de entender a que segregação eu me referia:

- Qual o problema do jaleco, mãe? Eu uso na aula de ciências.

Você ainda vai entender, querido, mas o jaleco, nesse caso, é muito mais que uma roupa. É um símbolo de luta.
E essa é uma luta que vai sempre valer a pena.