Os baixinhos viajaram de férias com o pai. 21 dias em Arraial d'Ajuda, Bahia. Deus os proteja de todo mal e perigo. E os livre das neuroses da mãe. Amém.
Tem coisa que só filho faz por você. No restaurante, reclamei da demora de um dos baixinhos-pequenos para comer. Em alto e bom som, ele justificou sua lentidão:
A festança de natal reuniu vovó, mamãe, irmãos, titios, priminhos e agregados. Os baixinhos-pequenos ficaram deslumbrados com a quantidade de presentes ao pé da árvore. Um deles avançou sobre o pacote mais colorido e quase estraçalhou o pobrezinho. Chamei a atenção:
- Não é assim, filho. Você tem que esperar quem comprou o presente dizer para quem ele é.
Os baixinhos estão caprichando na hora extra da bagunça e dormido cada vez mais tarde. Ontem, apliquei um sermão. Disse que já era quase meia noite e que eles estavam de férias, mas os vizinhos, não. Blá, blá, blá, blá...
Ao ouvir a palavra meia-noite, o baixinho-grande ficou enfeitiçado:
- Já é quase meia noite??? - Sim, trate logo de ir para cama.
Os baixinhos-pequenos são conhecidos pela mira ruim. A situação do banheiro é tão lastimável que é possível que o amigo leitor consiga sentir o ardor daí. João sequer se dá ao trabalho de segurar a torneirinha para garantir que o jato encontre seu destino correto. Vivo ensinando o velho mandamento:
- Filho, você tem que segurar o piu-piu e mirar na água.
Preguiçoso, ele responde:
- Ah, não, fico muito cansado. Segura pra mim?
Como diria o mestre, bem-aventurados os mansos, porque deles serão os banheiros.
Vovô Pedrinho fez todo mundo chorar ao ler a cartinha que preparou para a formatura do baixinho-grande:
"Querido neto Pedro,
ufa, a primeira batalha terminou. Primeiro agradecemos a Deus, que é o Papai do Céu. Agradecemos ao papai, mamãe, as titias do Barquinho Amarelo, que além de meigas e carinhosas, souberam em primeiro lugar ensinar o a-e-i-o-u. Depois, juntando as letras do alfabeto, você conseguiu escrever 'Pedro', seu nome, que é orgulho do vovô.
Deixando o maravilhoso Barquinho Amarelo, que nós consideramos a melhor entre as melhores, você prestou o seu primeiro 'vestibular' em outro estabelecimento escolar. Vovô, vovó, papai, mamãe, titios, titias, primos, primas e irmãozinhos estamos confiantes que daqui para frente iremos nos orgulhar ainda mais deste pequeno homem chamado Pedro Lacerda de Carvalho.
Pode ser que a voz me falte e as lágrimas ofusquem o papel. Talvez minhas mãos fiquem trêmulas e deixem escapulir as palavras que singelamente rascunhei para você. Posso ficar como boba lá na frente, tentando, em vão, traduzir o orgulho que transborda no meu peito.
Se isso acontecer, olhe no fundo dos meus olhos. Veja seu reflexo neles. Isso explica tudo.
O desembarque do Barquinho Amarelo está doendo fundo no baixinho-grande. Ele sabe que é para melhor. Ele sabe que é inevitável. Ele sabe que chegou a hora. Mas dói mesmo assim. Na semana da formatura, passamos na porta da escola nova. Tentei animá-lo:
- Olha lá, filhinho, sua escola é linda demais, né? - Não é a minha escola ainda.
Temos um vizinho da cabecinha branca conhecido pelo seu mau humor. Passa por todos com a cara fechada e emite uma espécie de rosnado que, ao que tudo indica, equivale a um 'oi'. Ele dá tudo para não ter que cumprimentar os outros. A menos que esses outros sejam os meus pimpolhos, por quem o velhinho tem verdadeira adoração. Quando se encontra com a tropinha, ele chega até a sorrir. Já o vi se assentar no chão da garagem para ler com os três o livrinho que a escola manda no fim de semana. Dia desses, depois de muito apertar as bochechas dos baixinhos, ele se voltou para mim e disse:
- Você é a mulher mais feliz do mundo. E nem deve saber disso.
Eu até sei, vizinho. Mas, obrigada por me lembrar.
O baixinho-grande está uma pilha de nervos. A proximidade da formatura tem deixado o pobrezinho choroso e sofrido. Mais do que o medo do novo, dói o abandono do velho, onde ele manteve sua zona de conforto pela vida inteira. Em uma das crises de choro injustificadas, dei um abraço apertado e tentei acalentá-lo:
- Meu bem, respire fundo, você precisa se acalmar.
Aos prantos, ele respondeu:
- Estou tentando, mãe, mas não consigo.
Nossa Senhora das Mães dos Filhos Crescidos, não tem jeito de sofrer por ele, não?
Os baixinhos-pequenos fizeram um teatrinho na escola. Dessa vez, os pais não foram convidados, acho que para não inibir a performance dos atores. Eu, que não me aguento de curiosidade, enchi os dois de perguntas:
- Você foi o quê na peça, Davi? - O príncipe.
Justo, pensei comigo. Davi é romântico, sensível, e, perdoe-me a corujice, lindo como um príncipe. João é tão lindo quanto, mas peralta demais para um papel desses. Devem ter achado um personagem que caiu como luva para ele, pensei comigo.
Jogando bola com os irmãos, João desconheceu o fim do campo imaginário e bateu o cabeção na parede. O galo foi instantâneo. Pronto, agora ficou escrito na testa para qual time ele torce.
Ainda bem que o galo é forte e vingador, não é, meu querido atleticano?
- Mãe, por que esses carros estão buzinando tanto? - Porque o Cruzeiro foi campeão ontem, Pedro. - Não é possível. - Pior que é. - Que coisa mais boba. E irritante.
Parece que, de um tempo para cá, os torcedores têm tentado se superar também em ignorância, filho.
Tia Binha namora o Zé, que tem 28 anos por fora e 8 por dentro. É, sem dúvida, o melhor amigo grande da patota. É o que faz mais bagunça, rola no chão, ensina coisas erradas e tira a mamãe do sério.
Dia desses, ao ouvir o interfone tocar, o baixinho-grande perguntou:
- Quem será, mãe? - Acho que é o Zé, filho.
Ele deu um pulo do sofá e saiu correndo atrás dos irmãos:
- Vem, gente, o Zé chegou! Ele vai colocar pilha na gente!!
Os pimpolhos foram personagens de uma reportagem no Jornal Estado de Minas sobre os benefícios do reiki para crianças. A notícia saiu no domingo, mas o baixinho-grande só se deu conta hoje, após alguns comentários na escola:
- Mãe, tá todo mundo falando que a gente saiu no jornal. - É verdade, filho. - Sério? Quando? - Publicaram algumas fotos de vocês ontem. - Quer dizer que estamos famosos?
Sentiu um cheirinho de jasmim no ar? Foi a Clarinha que acabou de chegar. Logo fez a gente se apaixonar pelo seu jeitinho de gatinha a miar. Graciosa, sabe que veio rosear. O mundo azul já não podia esperar. Venha, Clarinha, venha desfrutar! Titia quer ver seu reinado começar.
Na festinha do coleguinha da escola, um dos meus baixinhos-pequenos atacou a mesa de guloseimas. Desajeitado, estourou um pacote com milhares de balinhas coloridas, levando, imediatamente, todas as crianças ao chão. As mães ficaram em polvorosa e rapidamente resgataram seus bibelôs da farra. Menos eu, claro.
Depois da rápida ação dos meus pequenos, o chão ficou mais limpo do que antes. Nem os germes e bactérias tiveram chance. Afinal, o trabalho em equipe é o principal aliado da regra dos três segundos.
Pegamos o elevador com a vizinha de baixo, uma jovem senhora muito distinta. Depois que ela se despediu, o baixinho-grande, que observara atentamente suas marcas de expressão, concluiu:
- Ela já viveu muito, né, mãe?
Sim, filho. Rugas são sinal de vida. E a vida fica ainda mais linda com o seu olhar.
Sei que ele é inteligente, adora ler e tem argumentação de gente grande. Sei que, para ele, livros descortinam um universo de pura magia. Também sei que as palavras podem ser mais divertidas do que muitos brinquedos.
Mas, não era para ele devorar um livro de 217 páginas aos seis anos, era?
João já demonstra uma forte inclinação pelo universo musical. Troca qualquer brinquedo por um violão, prefere assistir clipes de música em vez de desenhos animados e cantarola canções que não são do meio infantil. As músicas que capricham no backing vocal são as preferidas do rapazinho. Outro dia, ele pediu para trocar o cd que tocava no carro:
- Mãe, vamos ouvir vestido novo? - Vestido novo? - É aquela banda que tem nome de roupa e que todo mundo canta junto.
Ah, sim. Roupa Nova, acho que vocês têm um novo fã.
Aos três anos de idade, poucos adjetivos são tão depreciativos quanto a palavra "feio". Se alguém te chama de feio, é sinal de que o seu crime foi hediondo e livre de perdão.
Davi é o que mais lança mão da ofensa, normalmente contra o irmão igual. Ontem, depois de mais um desabafo entusiasmado, Pedro resolveu colocar lenha na fogueira:
- Você está chamando o João de feio, mas ele é igualzinho a você, sabia? - Então eu sou feio também. Feio, feio, feio, horrível e horroloso!
Ele(s) não é(são) o(s) feio(s) mais lindo(s) do mundo?
Saindo da casa de um coleguinha dos baixinhos-pequenos, passamos em frente a um batalhão da Polícia Militar. Animados, os pimpolhos pediram para conhecer a 'casa da polícia'. Concordei.
Para a nossa alegria, os plantonistas foram super solícitos. Mostraram o batalhão, contaram como a polícia trabalha e deram dicas de segurança para a tropinha. De dentro da viatura, depois de ligar a sirene, o baixinho-grande perguntou, deslumbrado:
- Estou sonhando, mãe?
Obrigada, pessoal. Meus filhos agora têm novos super heróis.