segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Remendando a corda

Os pimpolhos, sobretudo os iguais, estão numa fase de tirar qualquer um do sério. Parece até inferno astral, por causa da aproximação dos seis anos, idade que leva as mães à loucura. Venho colecionando, dia após dia, casos e mais casos de desobediência, malcriação e desrespeito. Nesse sábado, foi a gota d'água.

O que era para ser um delicioso encontro entre tios e primos se tornou um verdadeiro cabo de guerra. Eles puxando de um lado, eu de outro. Na tentativa de chamar a atenção, testar os limites ou simplesmente esticar a corda, eles se superaram na malcriação. Retrucaram, pirraçaram, desafiaram, fizeram feiura com a comida e os brinquedos, desobedeceram solenemente. E o pior, tudo em dose dupla. O mal comportamento estava tão evidente que os tios precisaram intervir várias vezes para chamá-los à realidade. Saí exausta. E envergonhada.

Tá aí uma sensação que ainda não tinha experimentado na maternidade: vergonha das crias.
Na volta para a casa, triste e cansada, vomitei um sermão sofrido. Disse que não sabia mais o que fazer; que quanto mais eu os educava, menos eles aprendiam; quanto mais eu me dedicava, menos eles correspondiam; que estava muito decepcionada; que eu não devia mais sair de casa até que eles aprendessem a colocar em prática tudo aquilo que já estavam cansados de saber. E, como um golpe de misericórdia, repeti o que minha mãe, no auge do desespero, dizia para a gente:

- Minha vontade é de ir embora e não voltar mais.

Foi o bastante. Nessa hora, abriu-se um portal entre nós. Eles de um lado, eu de outro. A gente se olhando e a corda no meio, arrebentada. Tive mesmo vontade de ir embora. Pela primeira vez, arrependi-me de ter tido filhos. Naquele instante, não sentia nada por eles a não ser uma profunda reprovação. Fui dormir chateada, sem cumprir a minha parte do ritual da noite (arrumar a cama, cobri-los, dar um beijinho e desejar bons sonhos).

Acordei mais triste ainda, como se tivesse destampado um caldeirão efervescente de sentimentos ruins. As renúncias que fiz por eles borbulhavam daquela sopa escura e viscosa, uma a uma. Pensava no que poderia ter sido, pessoal e profissionalmente, se eles não existissem. Pensava em tudo que deixei pelo caminho para que pudesse carregá-los. Chorei. Chorei muito, como há muito tempo não fazia. Quis ficar sozinha a maior parte do dia. Saí sem hora para voltar (obrigada, Gui, meu bem, companheiro de alegrias e tristezas, pela compreensão e retaguarda). Não me preocupei com café, almoço ou jantar. Não mandei tomar banho ou sair da chuva. Não separei as brigas homéricas. Não emiti uma palavra sequer. Só chorei.

O caldeirão ferveu, transbordou e se esvaziou. Ao fim do dia, mais calma, reuni a tropinha. Com a voz embargada e fraca, perguntei se eles sabiam por que eu estava daquele jeito. Pedro foi o porta-voz:

- Por causa do nosso comportamento.
- Infelizmente, sim - respondi.
- E o que vocês pretendem fazer a respeito? - perguntei.

João e Davi explodiram num pranto arrependido e me abraçaram forte, como se quisessem pedir desculpas com o coração. Naquele abraço coletivo, também me desculpei. Pedi perdão pelos excessos, pelo peso das palavras, pela pouca inteligência emocional. Nessa história de aprender a caminhar caminhando, ninguém está livre dos tombos. E eles machucam.

Fizemos as pazes e remendamos a corda. Desde então, percebo que eles têm se esforçado. Não sei quanto tempo vão conseguir sustentar essa nova versão - afinal, os seis anos estão batendo na porta. Talvez, dure o suficiente para eu recuperar o fôlego. Tomara.

Quero fechar o portal e jogar a chave fora. Que vista feia tem o lado de lá!
Repetindo o mantra da maternidade real: sou aquilo que deveria ser e faço o melhor que posso.
Somos o que merecemos e temos o que precisamos.
Nem mais, nem menos.

Sou grata por isso.
Obrigada, meus filhos.


8 comentários:

  1. Respostas
    1. Que mãe nunca teve vontade de ir embora, né, Rachel? Ainda bem que a vontade passa... :)

      Excluir
  2. É dolorida a realidade quando vemos que a gente se dá inteira para criar os filhotes e de repente eles estragam tudo, com uma crise de identidade e forçam a barra até acabar com a paciência de qualquer ser humano!! E você é humana, eu também já arrumei as malas e fingi que ia embora abandonando o barco. Todas as mães acho que em algum momento vivem isso. Não se torture, somos todos solidários à você! Beijos no coração

    ResponderExcluir
  3. Kaka como me identifiquei com o seu relato! Aí lembrei: Matheus já fez 06 anos!

    ResponderExcluir
  4. Ei Karina a muito não vinha aqui hj voltei e me vi o quanto suas histórias me fazem falta, compartilhar o real da maternidade obrigada por ser assim tão transparente !!! Bjao

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. A gente precisa desmistificar a maternidade, Mayra. O paraíso não existe e nós, mães e mulheres, estamos longe da perfeição. Admitir isso é um bom começo.
      Seja sempre bem-vinda! :)

      Excluir