Os pimpolhos, sobretudo os iguais, estão numa fase de tirar qualquer um do sério. Parece até inferno astral, por causa da aproximação dos seis anos, idade que leva as mães à loucura. Venho colecionando, dia após dia, casos e mais casos de desobediência, malcriação e desrespeito. Nesse sábado, foi a gota d'água.
O que era para ser um delicioso encontro entre tios e primos se tornou um verdadeiro cabo de guerra. Eles puxando de um lado, eu de outro. Na tentativa de chamar a atenção, testar os limites ou simplesmente esticar a corda, eles se superaram na malcriação. Retrucaram, pirraçaram, desafiaram, fizeram feiura com a comida e os brinquedos, desobedeceram solenemente. E o pior, tudo em dose dupla. O mal comportamento estava tão evidente que os tios precisaram intervir várias vezes para chamá-los à realidade. Saí exausta. E envergonhada.
Tá aí uma sensação que ainda não tinha experimentado na maternidade: vergonha das crias.
Na volta para a casa, triste e cansada, vomitei um sermão sofrido. Disse que não sabia mais o que fazer; que quanto mais eu os educava, menos eles aprendiam; quanto mais eu me dedicava, menos eles correspondiam; que estava muito decepcionada; que eu não devia mais sair de casa até que eles aprendessem a colocar em prática tudo aquilo que já estavam cansados de saber. E, como um golpe de misericórdia, repeti o que minha mãe, no auge do desespero, dizia para a gente:
- Minha vontade é de ir embora e não voltar mais.
Foi o bastante. Nessa hora, abriu-se um portal entre nós. Eles de um lado, eu de outro. A gente se olhando e a corda no meio, arrebentada. Tive mesmo vontade de ir embora. Pela primeira vez, arrependi-me de ter tido filhos. Naquele instante, não sentia nada por eles a não ser uma profunda reprovação. Fui dormir chateada, sem cumprir a minha parte do ritual da noite (arrumar a cama, cobri-los, dar um beijinho e desejar bons sonhos).
Acordei mais triste ainda, como se tivesse destampado um caldeirão efervescente de sentimentos ruins. As renúncias que fiz por eles borbulhavam daquela sopa escura e viscosa, uma a uma. Pensava no que poderia ter sido, pessoal e profissionalmente, se eles não existissem. Pensava em tudo que deixei pelo caminho para que pudesse carregá-los. Chorei. Chorei muito, como há muito tempo não fazia. Quis ficar sozinha a maior parte do dia. Saí sem hora para voltar (obrigada, Gui, meu bem, companheiro de alegrias e tristezas, pela compreensão e retaguarda). Não me preocupei com café, almoço ou jantar. Não mandei tomar banho ou sair da chuva. Não separei as brigas homéricas. Não emiti uma palavra sequer. Só chorei.
O caldeirão ferveu, transbordou e se esvaziou. Ao fim do dia, mais calma, reuni a tropinha. Com a voz embargada e fraca, perguntei se eles sabiam por que eu estava daquele jeito. Pedro foi o porta-voz:
- Por causa do nosso comportamento.
- Infelizmente, sim - respondi.
- E o que vocês pretendem fazer a respeito? - perguntei.
João e Davi explodiram num pranto arrependido e me abraçaram forte, como se quisessem pedir desculpas com o coração. Naquele abraço coletivo, também me desculpei. Pedi perdão pelos excessos, pelo peso das palavras, pela pouca inteligência emocional. Nessa história de aprender a caminhar caminhando, ninguém está livre dos tombos. E eles machucam.
Fizemos as pazes e remendamos a corda. Desde então, percebo que eles têm se esforçado. Não sei quanto tempo vão conseguir sustentar essa nova versão - afinal, os seis anos estão batendo na porta. Talvez, dure o suficiente para eu recuperar o fôlego. Tomara.
Quero fechar o portal e jogar a chave fora. Que vista feia tem o lado de lá!
Repetindo o mantra da maternidade real: sou aquilo que deveria ser e faço o melhor que posso.
Somos o que merecemos e temos o que precisamos.
Nem mais, nem menos.
Sou grata por isso.
Obrigada, meus filhos.
Muito lindo, Kaka!
ResponderExcluirQue mãe nunca teve vontade de ir embora, né, Rachel? Ainda bem que a vontade passa... :)
ExcluirÉ dolorida a realidade quando vemos que a gente se dá inteira para criar os filhotes e de repente eles estragam tudo, com uma crise de identidade e forçam a barra até acabar com a paciência de qualquer ser humano!! E você é humana, eu também já arrumei as malas e fingi que ia embora abandonando o barco. Todas as mães acho que em algum momento vivem isso. Não se torture, somos todos solidários à você! Beijos no coração
ResponderExcluirBeijos de gratidão, Moema querida. <3
ExcluirKaka como me identifiquei com o seu relato! Aí lembrei: Matheus já fez 06 anos!
ResponderExcluirTamo junto, Dri!
ExcluirForça na peruca e vamo que vamo.
Ei Karina a muito não vinha aqui hj voltei e me vi o quanto suas histórias me fazem falta, compartilhar o real da maternidade obrigada por ser assim tão transparente !!! Bjao
ResponderExcluirA gente precisa desmistificar a maternidade, Mayra. O paraíso não existe e nós, mães e mulheres, estamos longe da perfeição. Admitir isso é um bom começo.
ExcluirSeja sempre bem-vinda! :)