Antes de buscar os irmãozinhos na escola, o baixinho-grande e eu fomos à padaria. Deixei-o sentadinho na área da lanchonete enquanto escolhia e pagava as compras. Chamei-o para ir embora, que veio com um saquinho na mão. Pedi que guardasse no lugar, pois não tínhamos comprado aquilo, seja lá o que fosse. Ele contestou: - Compramos sim, mãe. - Não, filho, eu não paguei por isso. - Você não pagou, mas eu, sim. - Pagou? Como? - Com meu dinheirinho, ué. - O que você comprou? - Uma velinha para o nosso bolo de aniversário. - Mas, filho, não precisa gastar o seu dinheirinho com essas coisas, a mamãe sempre cuidou de tudo, não foi? - É, mãe, mas você já tem que comprar muita coisa. - Quanto custou? - Três reais e 25 centavos. - É quase a metade do que você tem. - Mas, na sexta-feira vou ganhar mais, não vou? - E quando você quiser comprar um brinquedo? - O que é mais importante, brinquedo ou aniversário? A essa altura, já tínhamos buscado os baixinhos-pequenos. João, que rapidamente percebeu do que se tratava a conversa, interferiu: - Deixa o Pedro, mãe. Ele tem muuuuuito dinheirinho. Parei para pensar. É verdade. Pedro é menino rico. Rico em generosidade, afeto e consideração. Pensei em reembolsar a pequena despesa, mas reconsiderei. Ele quis. Ele escolheu. Ele comprou. O dinheiro é dele. O juízo de valor também. Fez contas, pensou e decidiu. Pronto, agora é dele. E o brilho nos olhinhos desse menino iluminado ao ver que tinha bancado a sua primeira decisão sozinho? Isso sim, não tem preço.
A caminho da escola, o baixinho-grande se incomodou com a intolerância do trânsito de Belo Horizonte. Achei que estava na hora de apresentar a ele um dos românticos princípios da mobilidade urbana sustentável, no qual o maior se torna responsável pelo menor: - É assim, filho: caminhões e ônibus cuidam dos carros, carros cuidam das motos, motos cuidam das bicicletas e todos cuidam dos pedestres. O trânsito seria muito melhor assim, não? Esperançoso, ele chamou para si a responsabilidade: - Quando eu tiver carro, vou cuidar muito bem das motos. O motoqueiro é sempre quem machuca mais, né? - Verdade, os acidentes com moto são sempre perigosos. E, consciente da importância dos pequenos gestos, completou: - Isso também é um jeito de ser herói, né, mãe? Exatamente, meu pequeno herói.
Agora que é um afortunado ganhador de mesadinhas, o baixinho-grande decidiu guardar o dinheirinho para possíveis eventualidades: - Mãe, se você for pagar a escola e tiver faltando 7 reais e 35 centavos, é só me falar que eu te empresto, tá?
A moça na rua se espanta com a semelhança da tropinha: - Vocês são iguaizinhos! João esclarece: - Só eu e o Vivi. O Pedro não é gêmeo igual a gente porque ele nasceu antes.
- Vivi, tire essa meia do pé. Você nem imagina como é difícil lavar uma meia suja de chão. Ele, por quem os cascões, carunchos e macucos tem uma predileção especial, contesta: - E você nem imagina como é difícil esfregar um pé sujo de chão.
Eu observava, em silêncio, o baixinho-grande quebrar a cabeça com o para casa. Para a minha surpresa, ele também me observava. E disse, sem desviar os olhos do caderno: - Não gosto quando você fica assim, calada. Homem que presta atenção e gosta de ouvir mulher falar? Meninas, podem comemorar. Príncipe encantado existe e já está a caminho.
A escola apresentou o dicionário ao baixinho-grande. Deslumbrado com a riqueza de conteúdo do livrinho, ele propôs: - Mãe, qualquer palavra que você pensar tem aqui. Fala uma. - Qualquer uma? - Qualquer uma. - Abelha. - Aba, abe, abelha. Achei. Olha só: inseto que fabrica a cera e o mel. Não é muito legal? - É sim, filhinho. - Quem foi que conseguiu juntar todas as palavras do mundo aqui? - Um monte de gente, ué. - Ah, pensei que tinha sido Jesus.
Reúno a tropinha e aviso que teremos nova babá a partir de amanhã. Peço que todos se comportem e ajudem a manter a sanidade daquela boa alma. Eles concordam, mas manifestam suas preocupações: Pedro: - Ela é legal? Davi: - Ela gosta de brincar? João: - Ela é bonita? Bonita. João e seus pré-requisitos.
Passeando de carro pelo bairro Santo Antônio, conhecido pelo radicalismo dos seus altos e baixos, João se assustou com a inclinação das ladeiras: - Nossa, mãe, aqui tem montanha muito russa!
Sexta-feira é dia do brinquedo na escola. O baixinho-grande escolheu levar três motos em miniatura, as preferidas dele. Recomendei: - Tem certeza que você vai levar justamente essas, meu filho? A escola é grande, são muitas crianças, você pode acabar perdendo alguma. - Pode deixar, mãe. Eu vou tomar muito cuidado. - Não é só ter cuidado. Alguma criança pode pegar sem você perceber. Escandalizado, ele protestou: - Não tem criança que faz isso na minha escola. Oh, céus! Como tirar isso dele?
Agora que já é criança grande, o baixinho conquistou o direito de receber um dinheirinho toda semana. São dois reais às sextas-feiras, com a recomendação de que sejam utilizados para comprar um lanchinho na cantina da escola. Mas ele, precavido, já está procurando outro destino para a verba: - Mãe, e se eu guardar esse dinheirinho? - Para quê, filho? - Para emprestar quando você precisar. - Não se preocupe, querido. O dinheirinho é para você. - Eu também posso guardar para comprar brinquedo. - Isso você pode fazer, sim. - E se for baratinho, posso comprar três, um para cada um de nós. Que a sua vida seja tão generosa quanto você, filhinho.
- Alô, boa noite. - Boa noite, senhora. Em que posso ajudar? - Minha fatura de cartão de crédito acabou de chegar e não estou reconhecendo uma compra. - Qual, senhora? - A realizada no dia 10 de janeiro. Não compraria nada com um valor alto. Nem dividiria de 10 vezes. - A senhora está certa disso? - Absolutamente. Não uso esse cartão desde o ano passado. E não tenho o hábito de assumir despesas tão grandes. - Gostaria de cancelar o cartão? - Sim, certamente ele está clonado. - Aguarde alguns instantes que estaremos fazendo o cancelamento. Horas depois: - Senhora? - Sim, ainda estou aqui. - O cartão foi cancelado com sucesso. - Ótimo. - Vocês podem checar a natureza dessa compra, por favor? Outras tantas horas depois: - Senhora? - Sim. - Aqui consta que a compra foi feita diretamente na loja, com a sua senha. - Então o problema é muito mais grave. Alguém sabe a minha senha. - Possivelmente. - Que horror! Vou ter que trocar de senha quando o cartão novo chegar. - É o mais seguro a fazer. Parece que a compra foi de material escolar. - Minha nossa senhora! - Algum problema, senhora? - Fui eu mesma, acabei de me lembrar. Não reconheci o nome da loja. Também não lembrava que tinha ficado tão caro. Mil desculpas. - Imagine, estamos aqui para atendê-la. - E agora? Acabei de cancelar o meu cartão... - Estaremos providenciando outro agora mesmo. Tudo bem. Mereço mesmo pagar todas as contas do mês de posse da minha sumida carteira de identidade, durante o generoso e confortável horário bancário, diretamente na boca do caixa, até o meu novo e desnecessário cartão chegar. Uma salva de palmas para mim!!! E para o material escolar também!
João era a única criança a presenciar o animado diálogo entre a mamãe, tia Binha e tia Gabi. Incomodado com o excesso de progesterona, ele decretou: - Adultas, parem de falar.
Pergunta: O que é mais chato no para casa do baixinho-grande? Resposta: O mais chato no para casa do baixinho-grande é ter que dar a infeliz, insuportável e interminável resposta completa. Escrevo em letra cursiva: haja paciência!
João, ciumento, reclama: - Mãe, por que você chama o Vivi de Vivi? - Foi você que deu esse apelido para o seu irmão quando era bem pequenininho, não se lembra? - Mas você só chama eu de João e o Pedro de Pedro. - É que vocês não têm apelido. - Então eu quero que você chama eu de Johnny.
Antes, o baixinho-grande dividia a sala com dois coleguinhas. Hoje, ele tem dois coleguinhas com o mesmo nome na sala. Mas, como para tudo se dá um jeito, ele já encontrou o dele: - Mãe, agora eu sou o Lacerda. Com muita honra, meu filho.
Lutando contra o uniforme novo: - Pedro, por favor, vista essa bermuda direito. - Mas eu gosto desse jeito, mãe. - Parecendo marmota? - Não é marmota, é igual a todos os outros meninos da escola. Pronto, começou.
A professora dos baixinhos-pequenos contava a fábula dos três porquinhos. Eis que, em algum momento da história, surgiu a palavra 'abundância'. Curiosa, uma coleguinha perguntou o que significava. Prontamente, João respondeu: - É quando tem muita bunda junta, ué. Vai dizer que não é?
O ano começou, a escola mudou e as responsabilidades cresceram. Como tudo o que é combinado não sai caro, apresentei ao baixinho-grande as novas regras vigentes, incluindo a de estudar pelo menos uma hora por dia em casa. Ele não gostou da ideia: - Uma hora é demais, mãe. - Não é tanto assim, filho. - Eu já fico a tarde toda na escola. - Mas é importante estudar em casa também. - Que chato... - Vá se acostumando. É disso para pior. Tem gente que precisa passar a noite inteira estudando e ainda vai trabalhar no dia seguinte. - A noite inteirinha? - Sim, tia Binha já fez isso várias vezes. Ele passou horas remoendo a sua sina. E propôs: - Sabe, mãe, acho que tem um jeito de eu não precisar ficar estudando a noite toda. - Não vai acontecer tão cedo, filho. Talvez você nunca precise fazer isso. - É só eu começar a estudar cedinho e não enrolar, né? Ele aprende rápido, não?
Hoje aconteceu o que eu até então tinha conseguido evitar. Os três irmãos se separaram. O baixinho-grande foi para a escola grande e os pequenos voltaram para a boa e velha escolinha de sempre. A despedida se deu em clima de velório. João e Davi foram os que mais sentiram a desarticulação do trio parada dura. Antes de entrarem na escola, os dois deram um abraço apertado no irmão e, chorosos, pediram:
- Mãe, o Pedro pode visitar a gente de vez em quando? Fiquei com pena do sofrimento dos pobrezinhos. Mas fiquei feliz por vê-los tão unidos. Sabe de uma coisa? Ter filho é muito bom. Mas ter irmão é melhor ainda.