Os três estavam pegando um fogo danado. Perdi as contas de quantas vezes pedi para quietarem. Em vão. A danação era tanta que o Pedro acabou beliscando o João. De tão forte, doeu em mim. Pressentindo que sua situação não estava nada boa, ele tentou se explicar:
- Mãe, como é ter dentões assim? - Como, filho? - Assim, iguais aos seus. - Uai, eu tenho dentões? - Tem sim, como a Mônica. - Não tinha reparado ainda. - Não? Mas são tão grandes!
Pequena pausa para uma conferência no espelho.
- É mesmo, filho, são um pouquinho maiores que os outros. - Um pouquinho, não. Um tantão. - Credo, Pedro. Não é tanto assim. - É sim. Mas não se preocupe. É engraçadinho.
Sei. Bullying praticado pelo próprio filho é crime?
Hoje foi dia de ir ao consultório do tio pediatra-arquiteto. Apesar do caos da consulta tripla, o baixinho saiu satisfeito. Já no elevador, a caminho da carro, ele disse:
- Mãe, a gente podia voltar mais vezes. Eu adoro o cemitério do tio André.
Pronto, já sabemos quem é quem. Davi foi de testa na quina da parede. Graças ao corte costurado com dois pontos, teremos a cicatriz que garantirá a diferenciação dos dois para todo o sempre.
Nos preparativos para o clássico verde versus amarelo, tia Gabi e tia Binha, craques que só elas, gentilmente cederam os apetrechos necessários ao espetáculo: calção, meião, caneleira e chuteira. O pequeno, debochado, completou o kit:
A turma do trabalho inventou de fazer um torneio de futebol feminino. Adivinhe? Mamãe foi escalada capitã do time verde. Preocupado com o vexame, o baixinho tentou livrar a mãe dessa fria:
- Mãe, fala com eles que você não sabe jogar. - Não adianta, filhinho, os times já estão formados. - E se você ficar na torcida? - Aí vai faltar jogadora no meu time. - Então fala que você só sabe fazer filho.
Todo dia é a mesma disputa pelo controle remoto. Eles querem ver desenho. Eu, a novela. Na maioria das vezes, eles levam a melhor. Mas, hoje eu resolvi pirraçar:
- Nós vamos ver o que EU quero.
O baixinho, que não precisa ganhar nada no grito, ganhou na inteligência, coisa que ele tem até demais:
- Passarinho dentro de casa é muito triste, filho.
- Se fosse triste, ele não cantaria.
Diante da qualidade argumentativa, mudei de estratégia:
- Você ia gostar de ficar preso numa gaiola?
Ele apontou para o aquário e retrucou: - E aquele peixinho, gosta de ficar preso ali? O que eu respondi? Nada. Nada de peixe, nada de passarinho. E nada de dar corda para quem tem mais argumento que a gente. Afinal, o peixe morre é pela boca.
De tanto ser assediada pelos pimpolhos, a árvore de natal da casa da vovó está tortinha da silva. O baixinho, que é especialista em conhecimentos gerais, constatou:
- Essa árvore está mais torta do que a Torre de Piza.
O baixinho, com toda a sua autoridade de mais velho, chamou a atenção do irmão por causa do consumo excessivo de sal. Impressionada com a precocidade da preocupação, perguntei o motivo da repreensão. Atrevidamente, ele respondeu:
- Por acaso você quer que o irmãozinho tenha pressão alta?
Reunião na escola para tratar do desenvolvimento da duplinha. Tudo certo, tirando algumas características que ainda estão em "aquisição", segundo indicam os relatórios de avaliação. Ao fim do encontro, o julgamento.
Tenho que admitir: a temporada na casa da vovó está sendo um sucesso! Nunca antes na história daquela casa houve tantos frufrus no natal. Também, com a participação direta de três mini-ajudantes, não era para menos. Destaque para o palpite espirituoso do maior:
- Tia Gabi, coloca a nossa foto com o papai noel na estante. Ele vai achar engraçado quando entrar aqui em casa e ver que tirou foto com a gente antes, hahaha.