Acordo cedinho, levanto da cama, vou até a sala e me deparo com quem? Com o baixinho-grande sentadinho à mesa, fazendo o para casa sozinho. - Bom dia, filho. - Bom dia, mãe. - Acordou bem cedo, né? - É. - Veio direto fazer o para casa? - Vim. Você não disse que, quando eu terminasse minhas tarefas, poderia jogar vídeo game? E qual é a tarefa da mãe quando o filho nasce pronto?
Uma coleguinha passa pelo baixinho-grande e dispara: - Tampinha. Volto-me para ele e, olhando seriamente em seus olhos, pergunto: - Pedro, você realmente não se importa com essas coisas? Ele, bem resolvido, responde: - Não, mãe. Até porque, se eu sou tampinha, ela é uma garrafa. Toca aqui, filho.
João anda meio azarado, coitado. Depois do furúnculo, piolho. Junto com o piolho, uma unha do pé quase arrancada por uma gaveta que caiu do armário. E nem assim ele perdeu o bom humor:
- Pelo menos, eu não vou mais precisar cortar a unha se ela cair.
Avisei na escola. Avisei para os vizinhos. Avisei para os amigos. Avisei no trabalho. Avisei para os primos e até para os cachorrinhos dos primos. Aviso aqui também: cuidado, piolho é um bicho tão sem vergonha que é capaz de passar até pela tela. Não desejo essa praga nem para o presidente do Senado.
João está com um furúnculo horrível na perna, que resolveu entrar em erupção justo hoje, no caminho para a escola. Ao chegar, pedi ajuda da coordenação para improvisar um curativo.
Ele, muito valente, encarou o abcesso numa boa: não se queixou de dor, não fez drama e não dificultou a limpeza. Mas, aprontou o maior escândalo quando viu o esparadrapo.
Afinal, dor de machucado ele até aguenta, mas, depilação...
Aí já é demais, né, filho?
E qual não foi a minha surpresa ao chegar em casa para levá-los à escola e encontrar o Davi vestido com a fantasia do irmão-igual? Parece que houve um revés na disputa e João foi destronado. Do que ele acabou indo?
Bob Esponja. E é possível que tenha feito o mesmo sucesso.
Hoje é o carnaval da escola e a patota pode ir fantasiada. João é o mais empolgado:
- Vou de super homem. A mamãe vai desenhar um raio saindo do meu olho e todas as meninas vão querer namorar comigo porque eu vou ficar muito maravilhoso. Galã desse jeito, quase nem vai precisar de fantasia.
Tia Gabi, sondando o terreno, pergunta ao Vivi qual é a menina mais bonita da sala dele. Ele desconversa e diz que não se lembra do nome da mocinha. João, mais que depressa, interrompe a conversa e auxilia o irmão:
- Eu sei, é a Maria Clara. - E da sua sala, João? - emenda a tia - A Alice. Um olho na gata, outro na sereia, né, filho?
Sabe aquele bichinho do mato que empaca todo dia, na entrada da escola?
Em nada lembra o rapazinho popular que sai dela, todo fim de tarde. Está vendo, Vivi? Nem só de medos é feita a escola grande.
Tia Binha, depois de usar o único banheiro da casa, pergunta a mim, a única mulher da casa:
- Qual é a sensação de ter um banheiro de rodoviária só para você?
Parece que o verão decidiu pular carnaval fantasiado de inverno. E foi só a temperatura baixar para o único chuveiro da casa decidir entrar na brincadeira e parar de funcionar.
Na ida para a escola nova, no primeiro dia de aula, Vivi perguntou, aflito:
- E se eu não gostar, mãe?
Coloquei-o no colo e respondi, doce e firmemente:
- Sua opinião vai ser sempre muito importante, filhinho. Mas a decisão vai ser minha. A resposta pareceu confortá-lo por alguns instantes. Pelo menos, até chegar à salinha nova. Bastou ele se deparar com aquele mar de novidade para correr novamente para os meus braços:
- Já não gostei, mãe.
Você ainda não sabe, querido. Mas é fora da sua zona de conforto que a mágica acontece.
Lá se foram os dois para a escola grande. Separados, pela primeira vez em quatro anos.
Antes de entrarem nas suas respectivas salinhas, um olhou fixamente para o outro. Quem estava perto entendeu o pacto silencioso: separados agora, juntos para sempre.
Que assim seja, meus filhos.
Fiquei tão feliz com a chegada dos baixinhos que até ofereci um rodízio de noites na minha cama.
Assim mesmo, sem doença nem nada.
O que a saudade não é capaz de fazer, não é mesmo?