Passando de carro pela fila de torcedores fanáticos, que há dois dias aguardavam a venda de ingressos para o clássico Atlético x Cruzeiro, o baixinho teve o ímpeto de abrir o vidro e gritar:
Ontem o baixinho mandou o seu primeiro email. O felizardo foi o vovô, que está há mais de três anos na África.
Olha que fofo:
"oi vovo. vo eu istou muinto felis porqe o meu dente ista mole. voce sabia qi eu mudei di ano. ta chegado a minha formatura. voce vem. eu ti amo. beijo tiau"
Davi está se saindo um ciumento de mão cheia. Só falta rosnar quando percebe um irmão se aproximando de mim. Outro dia, quis porque quis tirar o Pedro do meu colo. Contestei:
- Mãe, já sei o que eu quero ser quando crescer. - O quê, filho? - Catador de papel. - Mesmo? Por que? - Porque a gente ajuda a proteger a natureza e ainda fica forte empurrando aquele carrinho daquele tamanhão.
Davi acordou com a incrível disposição de chorar até enlouquecer alguém. Com a paciência por um fio, dei uma útlima chance para ele explicar o motivo de tanto pranto. Qual não foi a minha surpresa ao ouvir a resposta:
Na pracinha, João se animou com um filhotinho de passarinho e correu atrás dele para brincar. A mamãe passarinho, que assistia a tudo do outro lado do jardim, deu um vôo rasante e quase bicou o nariz do pobrezinho. Assustado, ele veio se queixar:
- Mamãe passarinho modeu eu. É feia.
Ele nem desconfia, mas eu teria feito exatamente o mesmo.
Encontrei uma moça ótima para cuidar dos meninos. É trabalhadeira, paciente e cuidadosa. Sabe tudo de primeiros socorros e cobra uma pechincha para olhar os três.
Com tantos predicados, resolvi agenciá-la. Em caso de interesse, favor entrar em contato comigo. Tia Binha, depois discutimos a minha comissão, ok?
Hoje foi dia de levar a tropinha ao dentista. Uma hora para cada um. Três horas de tensão. Eles só conseguiram relaxar na saída, quando finalmente perceberam que ninguém tinha sido virado do avesso pela boca.
Ao fim da sua sessão de tortura, Davi, em tom de vingança, voltou-se para a tia Binha, que cuidava dos outros dois do lado de fora, e disse:
Como quase toda mãe do mundo, estou trabalhando e os pimpolhos estão de férias. Já que a colônia de férias da escola decidiu tirar férias também, tive que encontrar uma solução que evitasse a minha demissão. Conversando com a professora:
- Você vai viajar? - Não. - Sua casa é grande? - É. Por que? - Quanto você quer para ficar com os meninos de segunda a sexta, das 8h às 18h, e me devolvê-los limpos, jantados e cansados?
Ela não sabia, mas já estava contratada antes mesmo de dar a resposta.
Hoje eu quis tirar o atraso de dois anos sem dormir e tentei ficar na cama até mais tarde. Em vão, é claro. Entre conversas, risadinhas e arranca-rabos, veio do João o argumento que me fez levantar:
- Mamãe, você é lua? - Lua? Não, filho. Por que? - Só a lua dorme de dia.