- Mamãe, sabe o que eu vou ser quando crescer? - O quê, filho? -'Manobrês' de moto. - Não se diz 'manobrês', se diz piloto. - Não, mamãe. Piloto é quem pilota. 'Manobrês' é quem faz manobras radicais.
Tava preparando um pão e esbarrei a faca no dedinho mindinho do baixinho, carrapato branco que não desgruda de mim. Pensei que o mundo fosse acabar:
- Ai, mãe, você quase arrancou meu dedo! - Calma, filho, foi sem querer. E pode parar com isso, eu nem encostei em você direito. - Encostou, sim. E você não sabe que criança não pode nem encostar em faca?
Desde que os dois passaram de ano na escola (do berçário para o maternal 1), foram promovidos a uma série de coisas. De um dia para o outro, passaram a comer comida de gente grande, fazer para-casa, participar de festinhas de aniversário... Mas não conseguiram fugir daquilo que eu vinha evitando há um ano e meio: vestir-se iguais. Todos os dias, os dois toquinhos estão com a mesma blusinha branco e amarelo e o mesmo short azul. Imaginem o desespero: eles, que já têm o mesmo peso, o mesmo tamanho, os mesmos oito dentes na boca, o mesmo tom de azul dos olhos, o mesmo cabelo dourado de anjinho, agora vestem o mesmo uniforme.
Tenho acordado os meninos com mimos, beijinhos e cheirinhos. Canto musiquinha, digo que os amo e desejo bom dia. Os dois se espreguiçam, abrem os olhinhos e dizem, com a voz rouca e manhosa:
Meu plano deu certo. Fiquei caladinha sobre a conjuntivite dos meninos e a escola não os devolveu. Todas as manhãs, na hora de entregar os baixinhos, era aquela expectativa... Eu fingia que os olhinhos só estavam um pouco irritados. A escola fingia que não via nada. E Deus protegia os outros coleguinhas...