Pelos olhos seus

Pegamos o elevador com a vizinha de baixo, uma jovem senhora muito distinta. Depois que ela se despediu, o baixinho-grande, que observara atentamente suas marcas de expressão, concluiu:


- Ela já viveu muito, né, mãe?

Sim, filho.
Rugas são sinal de vida.
E a vida fica ainda mais linda com o seu olhar.

Nome do santo

João apontou para o vizinho, um senhor da cabecinha branca, e perguntou:

- Mãe, como aquele moço chama mesmo?
- Seu Antônio, filho.

Muito educado, ele prontamente cumprimentou o velhinho:

- Bom dia, Santo Antônio!

De tras pra frente

Sei que ele é inteligente, adora ler e tem argumentação de gente grande. Sei que, para ele, livros descortinam um universo de pura magia. Também sei que as palavras podem ser mais divertidas do que muitos brinquedos.

Mas, não era para ele devorar um livro de 217 páginas aos seis anos, era? 

Pré-história

O baixinho-grande interessado na infância de antigamente:

- Mãe, já existia televisão quando você era criança?

Oi?

João do violão

João já demonstra uma forte inclinação pelo universo musical. Troca qualquer brinquedo por um violão, prefere assistir clipes de música em vez de desenhos animados e cantarola canções que não são do meio infantil. As músicas que capricham no backing vocal são as preferidas do rapazinho. Outro dia, ele pediu para trocar o cd que tocava no carro:

- Mãe, vamos ouvir vestido novo?
- Vestido novo?
- É aquela banda que tem nome de roupa e que todo mundo canta junto.

Ah, sim.
Roupa Nova, acho que vocês têm um novo fã.  

De outro mundo

Davi e seu entusiasmo:

- Olha, mãe! Fiz cocô de todas as cores! Eu sou o Ben 10!

O próprio. 
Garotinho fofo por fora e alienígena por dentro.

Carapuça

Aos três anos de idade, poucos adjetivos são tão depreciativos quanto a palavra "feio". Se alguém te chama de feio, é sinal de que o seu crime foi hediondo e livre de perdão.

Davi é o que mais lança mão da ofensa, normalmente contra o irmão igual. Ontem, depois de mais um desabafo entusiasmado, Pedro resolveu colocar lenha na fogueira:

- Você está chamando o João de feio, mas ele é igualzinho  a você, sabia?
- Então eu sou feio também. Feio, feio, feio, horrível e horroloso!

Ele(s) não é(são) o(s) feio(s) mais lindo(s) do mundo?

Levado pra cachorro

Deixei João de molho no banho, procedimento padrão para quando a situação está preta. 

Ao chegar para começar a faxina, dei de cara com o danadinho lambendo a água do chão.

- O que é isso, meu filho?  

Ele interrompeu o processo e se explicou:

- Tô brincando de cachorrinho, au au.

Existe vermífugo para uso humano e veterinário?

Super heróis

Saindo da casa de um coleguinha dos baixinhos-pequenos, passamos em frente a um batalhão da Polícia Militar. Animados, os pimpolhos pediram para conhecer a 'casa da polícia'. Concordei. 

Para a nossa alegria, os plantonistas foram super solícitos. Mostraram o batalhão, contaram como a polícia trabalha e deram dicas de segurança para a tropinha. De dentro da viatura, depois de ligar a sirene, o baixinho-grande perguntou, deslumbrado:

- Estou sonhando, mãe?

Obrigada, pessoal.
Meus filhos agora têm novos super heróis.

Papo de pescador

- Mãe, compra um anzol para mim?
- Para usar onde, Pedro?
- Naquela lagoa perto da casa do vovô.
- Lá já tem anzol, filho.
- Mas se eu tiver um só para mim, vou pescar muito melhor.

Como contador de história, ele é um pescador nato. 

Peixinhos pescados pelo baixinho com a supervisão do vovô

Zoológico

- Mãe, a gente pode ter uma casa?
- Claro, Pedro. Não vamos até plantar um ipê amarelo no quintal?
- É que eu também queria ter um bichinho de estimação.
- Tudo bem, mas tem que ser um fácil de cuidar.

Nessa hora, João e Davi entram na conversa:

- Eu quelo uma zeba e um cavalo!
- Eu quelo um porco e um dinossaulo.

Ok, eles entenderam.

Praga de mãe

- Pedro, vai fazer xixi.
- Não estou com vontade, mãe.
- Claro que está. Você acabou de acordar.
- Nem todo mundo acorda com vontade de fazer xixi.
- Todo mundo que ficou oito horas dormindo sempre acorda com vontade de fazer xixi.
- Eu não.
- Então tá. Fica segurando xixi para ver o que vai acontecer.

Atrevidamente, ele respondeu:

- Pode deixar. Eu sei o que estou fazendo. 

Pfff, ele acha que se conhece melhor do que eu. 
Sei.
O que ele nem desconfia é o poder que tem uma praga de mãe.

O pai que ele quer ser

- Mãe, quando eu for pai, meu filho vai poder tomar dois picolés por dia na semana das crianças.

Quer dizer que meu filho já sonha acordado com o filho que ele quer ter?

Desperdício gramatical

O baixinho-grande e suas descobertas gramaticais:

- Maquiavélico.
- Que isso, filho?
- Maquiavélico é uma palavra bonita, né?
- Você sabe o que significa?
- Não.
- Maquiavélica é uma pessoa maldosa, que só pensa em atingir seus objetivos, não importa como.
- Que pena.
- Pena?
- É uma pena gastar uma palavra tão bonita para um significado tão feio...

Consciência limpa

Vivi e seus dilemas ambientais:

- Mãe, que coisa feia.
- Que foi, filho?
- Vem ver o desenho que tá passando na velisão.
- Qual o problema com ele?
- Vai acabar com a água do planeta.
- Por que, meu bem?
- A torneira do banheiro tá ligada há um tempão e a água tá indo embora à toa.

Algo me diz que estamos no caminho certo.

Plantando sonhos

- Mãe?
- Sim, Pedro.
- Um dia a gente pode ter uma casa?
- Claro, meu bem.
- Mas é casa mesmo, não vale apartamento.
- Por que?
- Porque eu quero um quintal para poder plantar um desses...

E, da janela do carro, apontou para o esplendor de um ipê amarelo em começo de primavera.

Obrigada, querido.
Sem perceber, você acabou de plantar um novo sonho em mim.

Problemão

- Mãe, me ajuda a escolher o brinquedo que vou levar para a escola na sexta?
- Já tá pensando nisso, filho? Hoje é terça ainda.
- Tô, porque é muito difícil escolher o que levar.
- Deve ser mesmo. Com tanto brinquedo que vocês têm...
- Nem é por isso. É porque não pode ser grande, senão não cabe na mochila. Não pode ser pequeno, senão some. Não pode ser caro, senão pode estragar e eu fico sem. Não pode fazer barulho demais, senão as professoras brigam...

São tão complexos os problemas aos seis anos...