Aceso

Hoje, às 6h47 da matina:

- Mãe, como será a vida de uma lâmpada?

Aceso demais para essa hora, não, filho?

Atrevido

O baixinho, fazendo as benditas palavras cruzadas, pergunta do quarto:

- Mamãe, bolo de milho de mineiro se chama broa?

- Sim, filho. Por que?

- Não sabia que tinha esse nome esquisito.

- Não é esquisito, é só questão de costume.  

- Por que não tiram o 'r', colocam 'l', e trocam o 'a' pelo 'o'? Aí vai chamar bolo mesmo.

Não basta ler e escrever.

Agora tem que mudar os ingredientes das palavras. 

É muito atrevimento para alguém tão pequeno, não? 

Gênio

- Mamãe, você sabe o que é eclipse?

- Não, filho. O que é?

- Vou te explicar. Você sabe que a Terra gira, né?

- Sei.

- Então. Algumas vezes ela fica na mesma direção da lua, que faz uma sombra no sol. Isso é eclipse.

Silêncio da mãe.

E se ele perguntar o que é a teoria da relatividade?

Mini Einstein

O que fazer quando seu filho de cinco anos fica viciado em revistinha de palavra cruzada?

Colaboradores

O almoço de domingo foi na casa da tia Céia, tia avó da mamãe. Os três se sentaram à mesa e encantaram a todos pelo bom comportamento. Comeram de tudo, sozinhos, sem reclamar. A tia ficou admirada:

- Há tempos não via crianças tão boas de garfo e tão bem comportadas. 

Sabe o que é, tia?
Filho que dá trabalho é privilégio de mãe que tem tempo.
Mãe que não tem tempo tem que ter filho que colabora. 
Eu tenho três colaboradores.

Imaginação

- Mamãe, o médico já deixou você voltar a fazer as coisas?
- Sim, filho. A mamãe já pode fazer quase tudo de novo.

Ele fez cara de espanto e perguntou:

- Até pular em um vulcão e subir nas costas de um dragão?

Criatividade

Sim, João.

É incrível tudo o que pode ter dentro de um lápis. 

Dose dupla

Desabafei com a professora sobre as travessuras dos dois. Estão cada dia mais levados, para o meu desespero. Ela me consolou dizendo que não são tão levados assim, que tudo está compatível com a idade, coisa e tal.

Pode até ser. Mas são dois.

Monstro disfarçado

- Ó o cacalé!
- Não é jacaré, Vivi. É lagartixa.
- Gagatixa, não, é cacalé!

Sim, filhinho.
É tão horripilante quanto.
Enfim, um homem é capaz de me entender.  

Baixa credibilidade

O trânsito da volta para casa está cada dia pior. Pelo retrovisor, acompanho a impaciência do pequeno e tento consolá-lo:

- Fique calminho, filho. Já, já a gente chega.

- Queria que quando você falasse isso, a gente chegasse de verdade. 

E suspirou, desiludido. 

Trilha sonora

João e eu dormimos nariz com nariz. Acordei bem antes dele e fiquei imóvel, só imaginando no que aquele anjinho estaria sonhando. Ele se espreguiçou, abriu os olhinhos e deu um sorriso encantador. E disse:

- Eu quelo tu, eu quelo ta, eu quelo tu, ta, ta, tu, tu, ta...

Não sei o que é pior.
Acordar com essa música infeliz na cabeça ou imaginar que ela fez parte da trilha sonora do sonho dele.
Pobrezinho.

Bem acompanhada

- Mamãe, por que será que o Papai do Céu te mandou três filhos meninos?
- Porque Ele quis me dar os melhores filhos do mundo. E eles se chamam Pedro, João e Davi.
- Quem sabe Ele não manda uma menina para te fazer companhia?

E o medo de isso ser uma profecia? Papai do Céu, é o seguinte: estou muito bem acompanhada, tá?

Só por garantia.

Menino grande

Hoje foi dia de vacinação.
O pequeno até que tentou se fazer de forte, mas as duas agulhadas no bumbum foram mais fortes que ele. Preocupado com o exemplo que estava dando para os irmãozinhos, ele se explicou:

- Irmãos, eu só chorei porque doeu muito, tá? 

E olhou para mim, em busca de aprovação.
Não se preocupe, filho.
Embora a mamãe não goste, sua fama de gente grande é muito maior que suas raras demonstrações de meninice.
Infelizmente.

Conflito materno

Será que a mãe que eu quero ser para eles é a mãe que eles querem que eu seja? Pode ser que eles queiram bem menos de mim. E eu posso ser muito mais para eles sendo simplesmente eu.

Nó na cabeça e aperto no coração.

Sonhar não custa nada

Tia Gabi levou o pequeno ao cinema. Antes de sair de casa, coloquei um dinheirinho no bolso dele e recomendei:

- É para pagar o cinema e o lanchinho, tá, filho?

Na volta, entre as novidades do passeio, ele contou, satisfeito:

- Mamãe, a tia Gabi pagou tudo com o dinheirinho dela.

E me devolvendo as notas amassadas, pediu:

- Que tal a gente colocar no nosso porquinho da Disney?

Ok, filho.
Nosso porquinho está 30 reais mais gordinho.
Disney, aí vamos nós.

Novo tom de rosa

- João, que cores são essas?

- Peto, zul, vede, vemelo, maelo e menina.

Sentenciado

Tirando o atraso de duas semanas:

- João, quem fez esse dodói aqui?

- Vivi modeu - respondeu, apontando para o irmão.

- Vivi, não pode morder o irmãozinho.

O agressor respondeu, firme e seco:

- Papai pôs pensar.

Como quem diz: "já fui julgado, condenado e cumpri pena. Agora me erra".

Ambientalmente correto

Após tomar um copinho de iogurte, o baixinho parou, pensou e decidiu:

- Vou reciclar.

Chegou em casa, lavou o copinho e fez um brinquedinho. E matou de vergonha a mamãe, que ainda sofre com a retirada das sacolinhas plásticas do supermercado.

Colo

O pequeno presenciou algumas crises fortes de dor. Não conseguiu esconder o espanto ao ver a mamãe fragilizada. Mas, sensível como é, sempre dava um jeitinho de disfarçar. Como no dia em que me viu escorando na parede para ir ao banheiro. Quando achei que iria manifestar sua preocupação, ele abriu um sorriso e disse:

- Hoje você está andando até mais rapidinho, né, mamãe?

- É, filhinho. Daqui a pouco a mamãe vai ficar boa, você vai ver.

- E se a gente comprar uma cadeira de rodas? Eu dirijo pra você.

Sabe de uma coisa, filho?

Vai chegar o dia em que você vai me carregar no colo.

E eu vou adorar.

Lição

Veja como são as coisas.
Sempre achei que mãe não tinha permissão para adoecer.
São tantas as exigências que pesam sobre a mãe moderna que adoecer se torna um privilégio para poucas. Mas, o preço que a gente paga é alto e um dia a conta chega.

A minha chegou.
Há algumas semanas, uma corriqueira e inocente infecção de garganta evoluiu para uma doença reumatológica de diagnóstico difícil. Me derrubou na cama em poucos dias. De uma hora para outra, segurar um copo e dar pequenos passos se tornaram tarefas quase impossíveis.  Na maioria das vezes, tinha a sensação de que minhas articulações estavam esfarelando. Nas outras, tinha certeza. Fui afastada do trabalho, pulei de médico em médico e fui submetida a dezenas de exames. As dores eram fortes, mas sequer se comparavam ao buraco causado pela saudade dos meninos, que estão morando com o pai desde então.

Entre as suspeitas médicas estava o temido lúpus, rara doença autoimune provocada pelo desequilíbrio do sistema imunológico. Os médicos me viraram do avesso e descobriram, felizmente, que se tratava de uma artrite reativa, outro tipo de doença autoimune, porém, mais branda. Não teve jeito. Tive que reconhecer que não tenho controle sobre as coisas. Não controlo sequer o meu sistema imunológico. Baixei o topete. Precisei da ajuda de todos, família e amigos, que, graças a Deus, são muitos e para toda hora.

Aprendi algumas lições durante o repouso forçado. Quanto mais rígidos somos conosco, menos flexível a vida se torna. Dar conta de tudo sozinha pode ser inevitável, mas não é legal. Ser boa mãe, boa dona de casa e boa profissional pode custar caro demais. Ser mãe, dona de casa e profissional já são motivos suficientes para comemorar. Precisamos pegar leve conosco para que a vida tenha chance de ser leve também.  

Após muito refletir, continuo achando que mãe não pode adoecer. Mas é bom dar uma forcinha.